As recentes ações armadas das forças do Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL) têm demonstrado várias coisas. Uma delas, e não de pequena monta, é o facto de o Iraque ter ruído como um castelo de cartas sob uma leve brisa.
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Outra, não menos importante, é o novo posicionamento de vários dos atores mais influentes da região, obrigados - a bem ou a mal - a enfrentarem um terrorismo "novo" com implantação e ambições territoriais. E, finalmente, a proclamação de um "califado" por enquanto em território sírio e iraquiano - com referência a uma história milenar - confirma, se necessário fosse, que estamos perante uma ameaça séria e credível.
Com o 11 de Setembro, descobrimos em circunstâncias trágicas a al-Qaeda, uma organização terrorista revolucionária, com caráter transnacional e objetivos que nos eram, essencialmente, incompreensíveis. Não queriam território, não representavam nem queriam representar um qualquer povo ou nação. Quando muito, falavam da Palestina e de Israel porque, não o fazendo, até pareceria mal. À pergunta "o que querem?", respondiam: "não queremos nada que nos possam dar. Só queremos destruir-vos e criar um novo modelo de organização do Mundo sobre as vossas ruínas".
Agora, em 2014, descobrimos novos poderes, que jogam o nosso jogo e até com assinalável eficiência, invocando muito embora uma referência religiosa que associa século XXI e Idade Média. Estas forças, tanto terroristas como militares, têm dinheiro, e captam financiamento recorrendo às mais modernas técnicas, aqui se incluindo as redes sociais. Servem-se com eficiência de meios audiovisuais, utilizam computadores com profissionalismo, pululam nas redes sociais com um efeito de atração sobre os que se consideram excluídos, preparam anuários nos quais, como qualquer empresa modernaça, dão conta das suas atividades, divididas em categorias: tantos ataques terroristas, tantas ações armadas, tantas execuções, etc.
Não usam fato e gravata, e até parecem uma espécie de ninjas encapuçados de filme de série B. Mas já mostraram que cometerá um erro capital quem decidir subestimá-los. É que, entretanto, irão conquistando terreno. No Iraque, levam a cabo ações de promoção e divulgação junto das chefias sunitas, o seu mercado de captação preferencial: são excelentes vendedores da morte.
Mas, é como tudo: o mal de uns pode ser o "bem" de outros.
A norte, esta catástrofe poderá vir a desembocar na independência do Curdistão ou, dito melhor, de "um" Curdistão. Quanto à existência de um povo curdo, poucos contestarão. Mas, por obra e graça da História e de negociatas territoriais, foram construídos os estados da região e, contas feitas, para os curdos sobrou nada. E assim tiveram que aceitar ser iranianos, ou iraquianos, ou turcos ou sírios. E assim, também - porque não aceitaram diluir a sua identidade - foram sendo objeto privilegiado de repressão. Saddam Hussein perseguiu-os com crueldade, o Irão não fez menos aos seus curdos, e a Turquia a dado passo até a sua língua proibiu.
Os curdos têm sido, neste Iraque exangue, os únicos a conseguir enfrentar com êxito as forças do EIIL, e até já se apropriaram de Kirkuk, de importância estratégica fundamental. Velha raposa, o presidente do Curdistão iraquiano, Massoud Barzani, bem viu que esta pode ser uma oportunidade irrepetível. E pediu ao Parlamento autónomo que preparasse um referendo sobre o direito de autodeterminação dos curdos. Os Estados Unidos já criticaram duramente a iniciativa e Nouri al-Maliki, primeiro-ministro iraquiano (admitindo que ainda esteja vivo politicamente) nem Kirkuk aceita que fique sob controlo curdo, quanto mais esta pretensão de independência.
Mas a verdade é que o Iraque, como Estado que represente as suas diferentes comunidades, já não existe, e não foi de certeza al-Maliki a fazer qualquer esforço para conseguir que assim fosse. Bem pelo contrário.
Nesta medida, se o gesto de Barzani é oportunista, porque é, nem por isso deixa de ser compreensível. Ainda nos arriscamos a ver os curdos a fazer um monumento aos terroristas do EIIL, com uma pequena e singela inscrição: "Obrigado".