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A decisão do Conselho Geral Independente da RTP, que integro, de reformar a composição da administração da empresa, inundou-me de telefonemas, sms e emails: "A decisão desagrada a muitos amigos teus, sabias?" Dias depois, um texto que escrevi no meu blogue, escandalizado com o primarismo do presidente do Sporting, soltou brados leoninos: "Nem pareces sportinguista! Isso vai ser aproveitado pelos outros!".
Ontem, depois de ter dado expressão pública do meu desagrado, pelo facto do governo ter nomeado um embaixador político, ouvi, de um lado ideológico que me é próximo: "Com o teu gesto, dás armas à oposição e à especulação mediática".
Vamos a ver se nos entendemos! Sou, como muitos leitores, um cidadão que pensa pela sua cabeça, cujas ideias não se orientam pelas conjunturas e pelo que "dá jeito". Não faço parte daquelas pessoas com que Grouxo Marx ironizava: "Estes são os meus princípios. Se não gostarem, tenho outros". Eu não tenho outros. Penso o que penso, gostem ou não.
Falarei pouco da RTP, tema em que, por lei, estou sujeito a secretismo. Fui nomeado pelo governo, que sabia que, a partir desse momento, a minha independência no exercício do cargo seria plena. Tem-no sido e continuará a ser, nos anos de mandato que se seguirão. Farei apenas o que entender melhor para o serviço público de rádio e de televisão.
Mas falo livremente do Sporting. Sinto-me triste pelo facto do clube de que sou adepto, muito antes do seu atual presidente ser sequer nascido, estar prestes a ser vítima de uma espécie de golpe de estado - neste caso, estádio seria talvez mais adequado... Uma mudança totalitária que, segundo alguns, pode mesmo vir a colocar em risco o estatuto de "utilidade pública", com todas as consequências, legais e práticas, daí decorrentes. O facto desta polémica poder estar a ajudar a divergir as atenções sobre os pecadilhos de outros não me convence. O que se passa no Sporting é uma vergonha.
Ontem, escrevi noutro jornal contra a decisão do governo de nomear, para um lugar no quadro da profissão que foi a minha por quatro décadas, uma personalidade a ela totalmente alheia, como se a diplomacia não devesse ser, como as forças armadas ou o mundo judicial, uma carreira estruturada, especializada e exclusiva. Imagino, isto é, sei que o governo não deve ter gostado que eu dissesse o que disse. Custou-me fazê-lo, não apenas porque apoio este governo e a sua política externa, mas porque o nome escolhido é alguém que muito prezo, que apoiei publicamente, e em quem votei privadamente, aquando do último sufrágio presidencial. Mas é o que eu penso.
Sou prisioneiro da minha independência, mas isso é o preço da minha liberdade.
* EMBAIXADOR