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O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o BES apresenta recomendações pertinentes quanto ao modelo de supervisão do setor financeiro. Este tem sido objeto de várias reformas ao longo dos anos, em especial no seguimento da liberalização e privatização do setor nos anos 80 e 90 e da introdução do euro. Muitas diretivas comunitárias foram transpostas alinhando o nosso quadro legislativo com o europeu. Quando fui secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do prof. Sousa Franco, observei mudanças no modelo institucional de supervisão de alguns países. Solicitei então ao dr. Costa Lima, que fora presidente da CMVM, um parecer sobre as vantagens e inconvenientes do modelo centralizado (caso inglês) face ao modelo tripartido português, e de outros países. As vantagens não eram óbvias. Óbvia era a necessidade de reforçar a coordenação entre as autoridades de supervisão da banca, seguros e mercado de capitais. Preparei então a criação do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF). Mais tarde, presidente da CMVM, participei neste conselho e constatei os seus benefícios na coordenação daquelas autoridades.
A crise financeira de 2007-08 revelou a necessidade de melhorar a capacidade da supervisão na identificação de riscos que afetem a economia, os mercados e as instituições financeiras, reforçando a sua vertente preventiva. Nessa altura, entre outras iniciativas, foi criado o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira, envolvendo o Ministério das Finanças e os supervisores, e foram reforçados os poderes do BdP e as competências do CNSF visando maior partilha de informação entre as instituições.
No final de 2009, face às iniciativas em curso na UE, foi preparada uma reforma do modelo de supervisão, que não avançou devido à crise da dívida soberana. Tal reforma criaria um modelo dual assente no Banco de Portugal, responsável pela supervisão prudencial (estabilidade das instituições e mercados), e uma nova entidade - Autoridade de Supervisão de Serviços Financeiros - que centralizaria a supervisão dos produtos financeiros e das relações das instituições com os clientes (defesa dos investidores). Reforçava-se o papel do Conselho Nacional de Estabilidade Financeira, melhorava-se a articulação entre as entidades e reforçavam-se os mecanismos de troca de informação para assegurar uma visão integrada das instituições supervisionadas.
Este projeto, uma base de trabalho, foi passado ao atual Governo que, entretanto, nada fez. Pergunto-me quantos problemas teríamos evitado se o Governo não tivesse ignorado as propostas de reforma que lhe foram deixadas.