Sobre o fim da luta de classes
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Qualquer estrangeiro que tenha folheado, aleatoriamente, as páginas dos jornais portugueses no último ano, num mínimo de três exemplares diários, decerto percebe que o Governo do país não teve a simpatia de médicos ou de professores. Teve a simpatia da maioria dos sondados nos inquéritos de opinião, até pode ter tido a maioria dos eleitores nos momentos de decisão legislativa dos últimos oito anos, mas não teve a simpatia da generalidade nem de médicos nem de professores.
Com outros protagonistas e noutras democracias, esta antipatia das duas classes deveria ter contagiado o eleitorado. Mas não. O eleitorado, utente dos médicos e educando dos professores, parece considerar que o problema dos médicos não é o problema dos utentes nem o problema dos professores é problema dos pais dos alunos.
Estamos aqui perante aquilo que determinados autores chamam da “nacionalização da luta de classes”. Assim, porque vou hostilizar o Governo quando o Governo (diz que) defende os interesses das classes maioritárias? Ao longo da segunda metade do século XX, os governos têm chamado a si a organização da histórica “luta de classes”, assumindo o papel ora de “concertadores sociais”, ora de árbitros, ora mesmo de contendores populistas contra as classes privilegiadas. Sejam governos de Direita sejam governos de Esquerda.
Acresce ao facto a mudança no próprio conceito de “classe social”. A Olívia-patroa dos fins de semana já não é só Olívia-empregada à semana - é também Olívia-influencer do bairro, Olívia-utente do Centro de Saúde, Olívia-encarregada de educação na Secundária da vila e Olívia-representante dos condóminos. Por quem ela lutaria na “luta de classes” de há 150 anos? O mais certo é delegar hoje no Estado, na cunha, nos conhecimentos pessoais, até na fé ou na sorte a resolução dos seus problemas de classe. Como Veblen escrevia há um século, as classes são definidas agora pela compra nos mesmos locais de consumo e já não pelo uso da mesma ferramenta.