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Num sábado à tarde morrinhento, garanto que é obra relacionar pensos e tampões, por um lado; e fisco e igualdade do género, por outro. Nos bancos da Faculdade, era Fisco e Constituição, era imposto e taxa, era imposto e princípio da não retroatividade, era justiça distributiva, era tudo coisas boas. Na realidade, e desculpar-me-ão os excelentíssimos fiscalistas, estes assuntos altaneiros tendem a reduzir-se a dois tristes tópicos. O primeiro é um dever fundamental, cuja existência ignorava e que, como agora sói dizer-se, é estruturante das sociedades modernas. Enuncia-se, normalmente, nos inúmeros gabinetes do Ministério das Finanças, através de duas perguntas emparelhadas: "como é que conseguimos mais receita?", logo se seguindo o inevitável e mais popularucho "como é que lhes vamos sacar mais algum?"
O outro tópico parece diferente, mas acaba por ser muito, muitíssimo, inteirissimamente explicável neste às vezes dramático jogo do gato e do rato. Se uns caçam, os outros são a presa. Vai daí, a pergunta defensiva: "como é que escapamos a pagar impostos?" Alguns, mais dados a pruridos ou para que pareça bem a quem ouve, ainda acrescentam: "dentro da mais estrita legalidade". É como se sabe: a legalidade nunca fica mal, mas se for estrita fica sempre com outra patine.
E lá estamos quase a chegar aos pensos e aos tampões. Uma ONG francesa, a Collectif Georgette Sand, lançou uma petição em que exige que aqueles artefactos sejam muito menos taxados do que atualmente (à taxa máxima de IVA em vigor em França). Exige mesmo que se lhes aplique a taxa mínima, considerando que se trata de "bens essenciais". O debate já tinha sido iniciado no Reino Unido. Os pensos, que entre nós são higiénicos - mas há pensos não higiénicos? - e em França são periódicos, e além deles os tampões, confirmariam a desigualdade de tratamento homem/mulher.
Os homens, suponho que todos estejam cientes, não têm menstruação. E o consumo feminino neste setor é inevitável (escuso-me de explicar porquê) e não tão barato quanto isso. A ONG francesa calculou que cada mulher gastará aproximadamente 1500 euros em pensos e tampões. E o jornal britânico "The Independent" descobriu que uma mulher que receba o salário mínimo terá que trabalhar 38 dias ao longo da sua vida para afrontar a despesa pensística ou tamponícia.
Só estou a congeminar, mas poderá haver aqui alguma justiça superior. Porque a Bíblia nos ensina que "qualquer maldade, mas não a maldade da mulher!" e que "foi pela mulher que começou o pecado, /e é por causa dela que todos morremos" (Ecli, 25; 13, 24). E, mais adiante: "Filho do homem, quando os Israelitas habitavam no seu território, mancharam-se com a sua conduta e com os próprios atos; o seu comportamento era a meus olhos como a menstruação da mulher" (Ez., 36, 17). A menstruação, claro, continua a incomodar (muitos homens), os atavismos não se desvanecem depressa. É ver a publicidade televisiva - toda, sem exceção, ridícula - sobre pensos ou tampões, com conta-gotas e tudo muito azulinho. E é ver como para a maioria é muito pior e mais imundo ver um tampão usado no chão do que um garboso monte de merda de cão, aliás encarado quase com simpatia ("coitado do bicho, não aguentava!"). É assim, mas talvez fosse tempo de começarmos a mudar. E por que não no plano fiscal?
Procurei, para ser justo, lembrar-me de produtos que aos homens são indispensáveis e que, da mesma forma, possam ser tributados em IVA à taxa máxima. Por exemplo, as lâminas de barbear, a espuma ou o gel.
Pois, mas não pode ser.
Primeiro, porque o homem não tem obrigatoriamente que escanhoar-se. Depois, porque a mulher também é dada à hirsutez noutras partes do corpo e necessitará, de igual maneira, de lâmina e espuma. E, finalmente, ainda pior, porque um estudo feito em França demonstra que, se a lâmina for cor de rosa (para mulheres), até pode ser, como é, exatamente igual às lâminas dos homens: mas chega a custar o dobro à consumidora! A isto se chama, pelos vistos, a discriminação rosa (não tem nada a ver com o PS).
Dito em poucas palavras, fiquei convencido. Por isso, Dr.ª Maria Luís, faça o favor de baixar o IVA dos pensos e dos tampões para a taxa mínima. Sendo o pedido meu, tem uma grande vantagem: não sou parte diretamente interessada.