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Por causa de um trabalho sobre o centenário das Aparições, tenho andado mergulhado no nosso extenso arquivo fotográfico. Vi milhares de imagens relacionadas com Fátima e tem sido difícil não ficar inquieto.
Passei uma vez pelo Santuário, ainda adolescente, e não me recordo de ter ficado particularmente tocado. Olhei, vejo agora, e vi tudo com a prepotência aparvalhada dessa idade, que teima por defeito em direcionar o assombramento para o insignificante, ainda que hoje - não sou crente, de todo - continue não muito impressionado. Mas isso não significa que agora não me espante com a fé dos outros, especialmente com a prostração, com a disponibilidade para o sofrimento, com a força do acreditar que se ficou a dever aquele sacrifício ao Bem. Eu seria incapaz de o fazer, pelo menos até agora. Testemunhar essa entrega, que não é um exclusivo católico (vi-a noutras latitudes), faz-nos porém humildes, perturba-nos a certeza. E é por isso que ver essas fotos, que registaram para a eternidade aqueles semblantes resolutos, mesmo que tão sérios e transparentes de dor, é cumprir o desígnio referido por Sontag: através da fotografia descobre-se a beleza. E percebe-se que, cem anos e milhões de pessoas depois, talvez já pouco importe o que realmente aconteceu na Cova da Iria em 1917.
* JORNALISTA