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Muitos dirigentes socialistas já não conseguem encobrir a angústia em que José Sócrates os afunda - e transbordando de razão, convenhamos. Para grande parte daqueles que ainda mantêm a lúcida noção de que o PS não se pode sepultar com a previsível (mas sempre incerta) morte política do ainda primeiro-ministro, começou já a busca de alguém que se tenha mantido suficientemente depurado dos (quase) infindáveis desmandos socráticos, na governação e fora dela.
A tarefa é difícil. Primeiro, porque a esmagadora maioria dos socialistas com hipóteses de liderança patinharam ao lado do pior do "socratismo", defendendo e exculpando todos os seus erros mesmo os mais absurdos, os seus Linos, os seus Pinhos, as suas Margaridas Moreiras, as suas promessas e os seus resultados económicos e sociais sempre em conflito insanável com a realidade e sustentando perfidamente a crença de que éramos bem governados.
Enfim, quem quiser encontrar uma figura capaz de deter alguma viabilidade para impedir uma derrota humilhante do PS nas próximas eleições, terá de descobrir alguém que não se tenha deslustrado no enxovalho a que Sócrates sujeitou o país nos últimos anos, desacreditando, dessa forma, o partido que tanto o tinha abonado. António Costa, por exemplo, colocou-se bem longe desse tipo de cogitações ao comportar-se como o primeiro dos "tifosi" do modo socrático de interpretar a vida e a política - uma eventual liderança de Costa representaria, afinal, pouca evolução em muita continuidade. Manuel Alegre, por sua vez, deixou-se embarcar na quimera da repetição do seu circunstancial êxito nas presidenciais de há cinco anos, desbaratando a esperança que alguns (poucos) ainda depositavam numa ressurreição esquerdista no seio do PS.
Contudo, o grande obstáculo para que o PS tenha uma liderança que não o envergonhe e lhe permita sonhar com um futuro político razoável, reside no próprio Sócrates e nos seus acólitos que se conservam num irreparável estado de negação. Sócrates não quer sair de forma nenhuma. Para já, não tem para onde ir - não possui qualquer carreira, nem preparação suficiente para encetar uma. Mesmo que lhe acertem uma ocupação, Sócrates, se puder, não se deixará ficar em posição de consentir que lhe descubram os múltiplos e variados esqueletos que devem andar escondidos nas profundezas dos armários dos anos da sua governação. Quanto aos seus seguidores, seja por efeito de propaganda auto-induzida ou por simples e deslocada afirmação de fé, ainda continuam a jurar que o país está a andar em frente, que o desempenho da nossa economia está entre os melhores da Europa e que todo o mal que nos está a acontecer resulta de tenebrosas e sinistras conspirações da Oposição, dos sindicatos, da sr.ª Merkel, dos especuladores, dos mercados em geral e de todos aqueles que permanecem indiferentes aos encantos do primeiro-ministro. Os que padecem desse culto socrático, subsistem em anseios que fazem lembrar os conhecidos e sintomáticos debates nos "bunkers" de Berlim, em 1945, quando os líderes alemães derrotados faziam planos para o dia da sua vitória ao mesmo tempo que os tanques russos passeavam no solo, alguns metros por cima das suas cabeças...
Em suma, Sócrates só sairá do poder obrigado, constrangido e sem escolha possível de ficar por remota que esta seja.
Na verdade, as declarações de Luís Amado que tão mal terão caído a Sócrates, segundo alguma Imprensa porventura bastante rente das emoções do primeiro-ministro, constituem um sinal da estratégia de o afastar do poder antes de o próprio PS ficar em situação de ter de passar a próxima década num árido deserto eleitoral. A segunda parte deste plano, a cereja do bolo, seria recriar o clamor de que a péssima situação do país exige um Governo de coligação com o PSD - ou seja, forçar o maior partido da Oposição, a única alternativa efectiva ao PS, a enlamear-se no lodaçal que a governação socialista gerou e nutriu.
Esse seria o maior erro político desde o derrube do primeiro Governo de Cavaco Silva pelo finado PRD. E Passos Coelho não o cometerá - sabe bem que o PSD só poderá chegar ao poder através do voto popular.