A política portuguesa parece ter sido sequestrada por Sócrates. Apesar de si mesmo, da sua vontade, pessoal e política, não há semana em que o anterior primeiro-ministro e anterior secretário- -geral do PS não ofusque os atuais detentores desses dois importantes cargos.
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Em minha modesta opinião, isto acontece em grande parte por razões da natureza humana e das organizações políticas.
Sócrates foi um líder demasiado forte e obstinado e contrariá-lo significaria múltiplas capacidades: trabalho intenso para estar informado, pelo menos tanto quanto ele, sobre as matérias suscetíveis de gerar divergências de opinião e soluções alternativas. Ou seja: tudo o que qualquer "yes man" não troca pelo sofá do comodismo e o aparelho partidário rumina, mas não vomita até ao dia em que puder livrar--se de quem não trata verdadeiramente das suas coisinhas.
No seu primeiro mandato, Sócrates criou muitos adversários políticos no interior do PS. Simplesmente porque procurou fora do partido pessoas e instituições que o ajudassem a formatar e concretizar as suas políticas. Esse movimento para fora do aparelho partidário principiou por merecer a simpatia generalizada, enquanto no interior do PS ruminavam os despeitados.
Na economia real, empresários e personalidades a quem a vida não corria tão bem também ruminavam, culpando Sócrates do Estado dar mais a mão a uns que a outros.
Curiosamente, tanto os que ruminavam dentro como fora do PS acumulavam os seus capitais de queixa recorrendo à retórica da autoridade moral. Com se não soubéssemos, da nossa tradição, que, entre os que mais defendem a iniciativa privada e a separação entre negócios e políticas, figuram alguns dos que mais vão comendo à mão do Estado.
Por fim, quando perceberam que Sócrates não seria reeleito, surgiram os abutres. Passarões especialistas em usar e abusar dos cartões de filiação partidária e que, basicamente, exploram como nenhuma outra passarada as circunstâncias em que o poder apodrece antes de nascer um novo. Nos últimos meses da governação de Sócrates, quando o então primeiro-ministro já declarara a absoluta necessidade de atacar a dívida acumulada bem como as despesas de funcionamento da Administração Pública, esses passarões desataram a arranjar empregos para a vida a familiares e amigos ou a concluir negócios improváveis à luz da falta de dinheiro e dos sacrifícios que a crise já prometia.
Foi assim que se passou.
Para mim, nenhum líder está a salvo de ser devorado pelos interesses instalados mesmo (ou sobretudo ) se não lucrar com eles. Enquanto o Estado e os partidos de Poder forem o que são, o mais provável é que a coisa se repita. A menos que o líder não conheça ninguém.