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Um pobre que fosse e já seria muito? Se colocarmos o problema nestes termos, os sucessivos governos iram ter uma missão impossível. Seria como almejar o pleno emprego e, na realidade, até este conceito não significa que todos tenham trabalho. Partindo do princípio mais razoável de que esta maleita social só poderá ser minorada, é de saudar que esteja finalmente cá fora o Plano de Ação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e que vá surgir em 2024 uma espécie de gestor de conta de situações socialmente instáveis.
Tal como existe um desemprego estrutural (aquele núcleo da população que permanece sem trabalho mesmo quando a economia está em alta), há também uma pobreza persistente. O único ponto em comum entre ricos e pobres é o efeito multiplicador das oportunidades, os primeiros pela positiva e os últimos pela negativa.
Entre o início da crise financeira e a saída da troika, o fenómeno de exclusão aumentou, como seria de esperar. A taxa de risco de pobreza passou de 17,9% para 19,5% entre 2009 e 2014. No entanto, neste último ano, a taxa seria de 24,2%, se os cálculos fossem feitos com os rendimentos de 2009. Dito de outra forma, se os apoios sociais e até mesmo os salários mais baixos tivessem ficado congelados lá atrás, teríamos chegado a 2014, ano da saída da troika, numa situação catastrófica. Depois veio a pandemia e a guerra na Ucrânia. A crise de acesso à habitação é um corolário dramático destas crises.
No ano passado, a taxa de risco de pobreza desceu de 22,4%, em 2021, para 20,1%. Os nossos dois milhões de carenciados constituem o núcleo da nossa pobreza estrutural e 12% deste universo têm um emprego. Segundo o Eurostat, 17,9% dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal têm contratos precários. Pior só os Países Baixos, mas com uma diferença fundamental: o salário mínimo neerlandês é mais do dobro do português.