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Os últimos números disponíveis do Eurostat não deixam margem para dúvidas. Somos os que em toda a Europa mais comida desperdiçam em nossas casas. Deitamos fora o que podíamos reaproveitar e fazemo-lo mais do que qualquer outro país. É deveras impressionante que o façamos sendo nós em média menos ricos do que uma parte substancial dos que menos desperdiçam. Não se entende até pela nossa tradição histórica de criar novos pratos a partir da dificuldade, da pobreza e do que nos sobra. Na minha adolescência, não podíamos dar-nos ao luxo de deitar fora, quase tudo se aproveitava. Não era sequer algo em que se pensasse, simplesmente era o que tinha de ser, não se colocava a hipótese de deitar fora o que podíamos pôr outra vez na mesa. Os restos de massa com o que sobrava ou havia, a roupa-velha, a tortilha com restos de batata, o empadão e os croquetes, a açorda, os restos de legumes salteados, as tripas e os sarrabulhos. E é bom, sabe muito bem, algumas das nossas melhores iguarias nasceram assim. Sabe-nos bem e não nos caem os parentes na lama. Aliás, nem me parece que este tema seja uma coisa de pobre - não desperdiçar comida é uma missão de todos, até dos ricos. E tem a enorme vantagem de nos fazer bem, de nos obrigar a pensar, a ser inventivos na cozinha e a aprendermos a poupar e a não gastar recursos. É uma questão decisiva, de cidadania, um assunto político também. Quando tantos de nós criticam os políticos e até o regime, aparentemente em nossa casa desbaratamos comida como se fôssemos marajás.

