Sondagens, confiança e responsabilidade democrática
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Na noite de domingo confirmou-se o que os números vinham antecipando: o novo ciclo político nasceu com clareza e as sondagens cumpriram, em bloco, o seu papel. Mesmo assim, durante esta campanha fomos, uma vez mais, alvo de insinuações, caricaturas e desconfianças.
Um dos líderes partidários, nos últimos dias de campanha, declarou que “algumas daquelas amostras, daquelas sondagens, não passavam no primeiro ano de métodos quantitativos”; outro insinuou que a Pitagórica serviria os interesses de uma das forças partidárias; e até um meio de comunicação com responsabilidade como a Rádio Renascença decidiu publicar uma peça com alegações sérias, mas infundadas, sobre os estudos realizados pela Pitagórica, apresentando desvios inexistentes entre as nossas projeções e os resultados reais.
Há aqui algo mais profundo do que o simples embate político. Vivemos um tempo em que se critica diariamente as “fake news”, mas, ao mesmo tempo, se aceita que dirigentes partidários e meios de comunicação ataquem, sem base técnica, uma indústria inteira – que é das poucas em Portugal cujos resultados são pública, objetiva e imediatamente verificáveis.
Comecemos pelo fim. Nas eleições de domingo foi batido um recorde: as quatro sondagens à boca das urnas apresentaram os menores desvios médios de que há registo em Portugal. A Pitagórica, apesar de ter tido o maior desvio médio da noite (0,51 p.p.), acertou em todos os partidos dentro da margem de erro estatística. Poucas indústrias em Portugal têm tamanha capacidade de acerto sob escrutínio público instantâneo.
As sondagens pré-eleitorais – mais difíceis por natureza, porque medem intenção e não ação – também foram altamente fiáveis. A Pitagórica, que realizou estudos para o Jornal de Notícias, TSF, TVI e CNN Portugal, , teve o menor desvio médio de todas as empresas de “research” (0,90 p.p.).
Previmos, com consistência, a queda do PS. O Jornal de Notícias, pela mão do Rafael Barbosa, publicou a este propósito uma manchete: “PS arrisca pior resultado dos últimos 38 anos” dias antes da eleição – e acertou.
Também antecipámos a vantagem da AD e um resultado elevado do Chega, já perto do limite superior da nossa margem de erro.
E, no entanto, ouvimos insinuações de enviesamento político. São críticas que, a bem da verdade, dizem mais sobre quem as faz. A indústria de “research” em Portugal emprega milhares de pessoas, desde jovens estudantes a técnicos qualificados, e representa um volume anual superior a 120 milhões de euros. Os nossos maiores clientes são grandes empresas nacionais e multinacionais — e não partidos políticos. Nenhuma empresa de estudos de mercado coloca a sua reputação em risco por causa de 1% de intenção de voto.
Mais grave, porém, é quando se trata a ignorância técnica como arma política. Num país onde ainda se confunde ADN com AD, é normal que seja difícil explicar o que é uma sondagem, uma margem de erro, ou uma amostra não probabilística. Cabe também à nossa indústria ser mais pedagógica. Mas é igualmente essencial que dirigentes partidários, comentadores e jornalistas façam o seu trabalho com responsabilidade. Porque todos juntos participamos na formação de uma opinião pública mais esclarecida — e isso não se faz com frases feitas, desinformação ou insinuações gratuitas.
A democracia portuguesa já provou que sabe lidar com a diferença. Está na altura de mostrar que também sabe lidar com a estatística.