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Conhecem-nos há pouco tempo nesta página. Chamo-me Luís, mas isso já sabes. Faço hoje 54 anos, nasci em 1971 e sou filho de uma família bastarda. O meu avô Humberto nasceu num barco e de pai incógnito, o apelido ficou Osório, o da sua mãe, fugida de Madrid para ser atriz em Lisboa, uma puta para os parentes espanhóis e uma diva para mim. Sou filho de um pai homossexual e de uma mãe sedenta de mundo e metastizada de sombras. Tenho sucesso, milhares de livros vendidos, posso fazer o que quiser e trabalho com quem desejo, mas já ninguém me observa o prato para o encher novamente, grita por mim à janela por o jantar estar já pronto ou me vigia o sono quando o mar não é calmo. Os meus pais morreram, as minhas avós também, a tia que me criou. Todos me chamavam Miguel, só duas tias ainda o fazem. Tenho muitos seguidores, um currículo invejável, mil projetos na cabeça, antidepressivos na carteira e doses diárias de melancolia e maus pensamentos - não suporto ignorantes atrevidos, detesto os que se acham marajás quando não valem a ponta de um corno e já perdi a esperança em relação à maioria dos personagens que nos influenciam os dias. Não frequento festas, estreias ou vernissages, mas dependo de palavras mansas para me salvar, dos que gostam de mim e me leem e de uma certa ideia de sucesso que abomino nos outros. Sou imperfeito, mais agora que me tornei Luís do que quando era Miguel e andava de mão dada com a minha mãe gigante num bairro pobre e alegrete. Não me dês os parabéns. Sou assim, sou este. Amanhã continuamos a conversa?