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Tenho feito observações sobre perigos que a contrarreforma laboral do Governo pode trazer para os cidadãos portugueses e estrangeiros que trabalham em Portugal. São preocupações acrescidas face ao contexto político europeu e global. O terreno está muito armadilhado.
A "trégua comercial" estabelecida entre os dirigentes da União Europeia e a Administração dos Estados Unidos da América (EUA) foi obtida com capitulação vergonhosa dos dirigentes europeus. Não podemos nem devemos dar o desastre por consumado, pois há na Europa países e povos com história, e as dinâmicas sociais e políticas produzem surpresas. Mas o que o "acordo" nos propõe é maior dependência económica face aos EUA e compromissos profundos com o belicismo.
Trump consegue impor, a partir de uma reescrita da história, o mito de que todo o Mundo tem andado, desde a II Guerra Mundial, a roubar os EUA. É dele a afirmação: chegou a hora de "sermos nós" a roubar. A UE, ao sancionar aquela trapaça, perde espaço de manobra nas mudanças geopolíticas e geoestratégicas em curso. O projeto europeu definha enquanto espaço de paz e harmonização política e social no progresso. O objetivo de (re)industrialização europeia esfuma-se e as transições energética e ambiental passam a miragens. A pressão para reduzir salários aumentará, e vai ampliar-se o ataque ao "Modelo Social Europeu".
O pacote laboral surge neste quadro. A narrativa do Governo para o promover assenta em realidades pressupostas, tomadas como instrumentos de efabulações, como fazem os trumpistas em todas as latitudes. Numa entrevista à RTP, a ministra do Trabalho disse, a propósito do direito à amamentação e o tempo de trabalho, "temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas até andarem na escola primária". Sem confirmar e caraterizar casos reais, trata-se de uma afirmação de enorme gravidade, até à luz de um princípio que ela própria tinha acabado de dizer: "o exercício adequado de um direito não deve confundir-se com o exercício abusivo desse direito".
A senhora ministra não denunciou nada, apesar de vários órgãos da Comunicação Social terem noticiado que a "ministra fez denúncias". A ministra é que tem de ser denunciada. Há serviços e entidades públicas credenciadas para identificar e fazer prova de violações de direitos. Essa exigência não é substituível pelo velho pressuposto de que os trabalhadores são por natureza (de classe) sempre suspeitos, como fazem a ministra e alguns setores patronais.
O presidente da CIP afirmou, recentemente, haver quem ande a insinuar maldosamente que as alterações à legislação laboral correspondem a um "impulso capitalista", no plano nacional, mas que não é nada disso. Segundo ele, trata-se apenas de acertar posições com as "tendências novas que se vão afirmando na União Europeia". Pois, o que chama de tendências novas são as políticas ultraconservadoras e fascistas e "a economia que mata". É um capitalismo despido de valores.