Começo esta semana onde terminei a última: com a proposta para resolver o impasse entre os estados do Norte e do Sul da Europa quanto à forma de financiar a resposta europeia à crise atual.
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Nos últimos dias, quer o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (Klaus Regling), quer Vítor Constâncio (ex-vice-presidente do Banco Central Europeu) vieram recordar esta mesma hipótese: emissão de dívida da União Europeia pela Comissão. Pode ser, de facto, a forma mais rápida e fácil de mutualizar dívida sem, por um lado, envolver emissão conjunta de dívida (inaceitável para o Norte), nem, por outro lado, envolver a condicionalidade e limites do ESM (inaceitável para o Sul).
O que Regling e Constâncio não abordam é como garantir a emissão dessa dívida europeia. A UE pode fazê-lo, mas dentro dos seus constrangimentos orçamentais. Isso significa que os volumes de financiamento a que pode aceder são limitados. O novo mecanismo de apoio temporário ao emprego no contexto da Covid-19 (proposto esta semana e destinado a financiar mecanismos de lay-off nos estados-membros) comprova que a possibilidade existe e os seus limites. A Comissão propõe a emissão de dívida europeia, mas, para atingir o volume de financiamento necessário, pelo menos 20% da dívida terá de ser garantida pelos estados. A minha proposta, para superar esta dificuldade, é associar essa garantia a novos recursos próprios da UE (por exemplo, sobre as emissões poluentes ou a economia digital). Será mais fácil o apoio das opiniões públicas para estas. Trata-se de aproveitar o bloqueio num tema para resolver, ao mesmo tempo, um bloqueio noutro tema (o próximo Orçamento europeu e os seus recursos). É um ensinamento comum na teoria da negociação: por vezes, a forma de ultrapassar um desacordo é expandir o âmbito do desacordo... Isso permite alargar o trade-off que é necessário ao compromisso entre posições distintas.
Esta proposta permite, igualmente, que a intervenção da União Europeia não assuma a forma de financiamento dos estados-membros, mas de apoios diretos. Ou seja, permitiria financiar o plano Marshall de que fala a presidente da Comissão Ursula von der Leyen. Este plano da UE deveria centrar-se em apoios (a empresas e emprego) nos setores económicos mais afetados pela disrupção que esta crise trouxe à liberdade de circulação no mercado interno. Para os estados tinha a vantagem de não significar mais endividamento. Para a União Europeia, a vantagem seria ser ela, e não os estados, a assumir perante os cidadãos os auxílios que prestava nesta crise. Isto permitiria também separar o apoio da UE à crise do acesso a financiamento pelos estados via Mecanismo de Estabilidade ou política do BCE.
*Professor universitário