O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou, este mês, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (STJ) por violação da liberdade de expressão de um jornal português.
Corpo do artigo
Embora, formalmente, o sujeito da condenação tenha sido o Estado, na verdade, o juízo de censura foi dirigido claramente ao STJ, pois foi este tribunal que praticou o acto material violador daquele direito fundamental.
Os factos ocorreram em 22 de Fevereiro de 2001, quando o jornal Público, a propósito das dívidas dos clubes de futebol ao fisco, noticiou que a administração fiscal não havia cobrado todas as dívidas do Sporting. A notícia baseava-se em documentos das finanças e em informações de um funcionário da administração fiscal. O Ministério das Finanças limitou-se a dizer que o assunto estava coberto pelo sigilo fiscal.
Em reacção, o Sporting intentou uma acção cível contra o jornal e quatro jornalistas, pedindo uma indemnização pelos danos causados à sua reputação. O julgamento realizou-se em 15 de Abril de 2005, tendo o tribunal absolvido o jornal e os jornalistas, por considerar que eles haviam exercido o direito à liberdade de expressão garantido pela Constituição da República Portuguesa (artigos 37º e 38º) e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10º). Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Setembro de 2006.
Porém, em 8 de Março de 2007, o STJ revogou essa decisão e condenou o jornal e os jornalistas a pagarem ao Sporting uma indemnização de 75 000 euros. O STJ entendeu que pouco importava saber se os factos noticiados eram verdadeiros ou não. «O carácter ilícito do acto não é afectado pela prova - ou ausência de prova - da verdade», frisou o STJ.
Várias considerações se colocam sobre esta (mais uma) condenação internacional dos tribunais portugueses por violação de direitos fundamentais. A primeira é a de que é, indubitavelmente, uma vergonha para o país que a justiça portuguesa tenha sido mais uma vez condenada no TEDH. Os tribunais portugueses são, na verdade, dos locais onde mais se ofendem os direitos fundamentais em Portugal. Neste caso, a violação foi cometida pelo mais alto tribunal português, com a agravante de ter revogado decisões correctas dos tribunais de 1ª e 2ª instâncias (uma «dupla conforme») que respeitavam e protegiam a liberdade de imprensa.
Quando o mais alto tribunal de Portugal revoga as boas decisões dos tribunais inferiores para proferir decisões erradas que levam à condenação internacional do estado português, tudo é de recear da nossa justiça. É uma pena que os autores da decisão em causa não tenham sido eles próprios a justificar ao TEDH por que violaram um direito fundamental como é a liberdade de expressão. Ou então que o presidente do STJ, sempre tão afoito a fazer declarações públicas sobre os outros, não venha ele próprio explicar aos portugueses as ofensas aos direitos fundamentais cometidas pelo órgão a que preside.
Infelizmente, agora que o Estado (à custa dos contribuintes) vai ter de devolver ao Público os mais de 80 000 euros que este jornal pagou indevidamente ao Sporting por uma decisão errada do STJ, todos se remetem a um silêncio envergonhado mas cómodo. Ou então, para desviar as atenções, o presidente do STJ prefere andar a falar publicamente sobre a Ordem dos Advogados e o seu bastonário.
Por outro lado, é de salientar que o autor da decisão do STJ tinha, algum tempo antes, elaborado um outro acórdão em que, pela morte em serviço de um soldado da GNR, havia atribuído aos herdeiros uma indemnização bastante inferior à do Sporting. Ou seja, para o STJ português uma vida humana valia bem menos do que a reputação de um clube de futebol com um longo historial de dívidas ao fisco, como, aliás, sucedia com a generalidade dos clubes de futebol.
De sublinhar ainda que a decisão do STJ parece acolher a teoria da chamada «indemnização punitiva» defendida pelo seu presidente, segundo a qual as indemnizações em direito civil, mais do que ressarcir os lesados pelos danos sofridos, devem constituir sobretudo um castigo para os lesantes, mesmo que estes tenham agido sem dolo. Isso numa altura em que o próprio direito penal já há muito abandonou a finalidade retributiva das penas. É o retorno da antiquíssima doutrina da expiação.
A ilegalidade da decisão do STJ era, em 2007, tão óbvia que eu próprio declarei perante as câmaras da SIC e (como disse então) «para memória futura», que Portugal iria ser inexoravelmente condenado no TEDH. Aí está a confirmação.