Quando se analisa a estrutura do emprego sob a perspectiva do grau de concorrência a que a entidade empregadora está sujeita, encontramos situações muito variadas. Num extremo estão as entidades que produzem bens que são, ou podem ser, objecto de comércio e trocas internacionais como são o vestuário ou o calçado, mas também os automóveis ou as memórias de computadores. No outro, os empregos do sector público administrativo.
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No primeiro caso, designadamente após o desmantelamento de todo o aparelho proteccionista, a concorrência é intensíssima e tem uma dimensão tendencialmente mundial. As empresas estão sujeitas a uma pressão permanente para aumentar a produtividade, controlar custos e diferenciar o seu produto dos outros. Não o conseguindo, vão perdendo vendas, diminuindo o emprego, podendo, eventualmente, acabar por encerrar. Evitar este desfecho depende, em parte, delas, da qualificação dos seus trabalhadores e da capacidade da gestão. Mas também de factores que lhes são exteriores, como um contexto mais ou menos favorável aos negócios ou as estratégias das próprias empresas com quem concorrem. No caso das empresas exportadoras, soma-se o estado da procura nos países para onde se vende. Não é preciso saber economia para perceber que à oportunidade de ter o mundo como mercado, se contrapõe a ameaça permanente do desaparecimento por força da concorrência. O oposto do que se passa na chamada função pública, onde o emprego está, para todos os efeitos, imune ao jogo concorrencial sendo praticamente garantido.
Suponhamos que, na actual conjuntura, temos a possibilidade de escolher entre um emprego num ou noutro sector. Se soubermos que na função pública pagam algo menos e que os aumentos vão ser menores, parecer-nos-á aceitável. Faz todo o sentido que se abdique de alguma remuneração pela segurança de emprego.
Não em Portugal. Por isso, sem termos excesso de funcionários públicos, temos um dos pesos mais elevados das remunerações no PIB. Mas a história não acaba aqui. Procurando fazer política redistributiva a partir da política salarial, remunerou-se proporcionalmente melhor a base do que o topo da pirâmide. O resultado está à vista. Mal lhes foi dada a oportunidade, os mais qualificados, que têm melhores alternativas no sector privado, aproveitaram os esquemas de mobilidade. A ponto de forçarem o Governo a decretar que essa legislação não se lhes aplica.
Com a função pública a perder poder de compra nos últimos anos, os aumentos propostos pelo Governo fazem sentido no plano dos princípios. Na actual conjuntura, tenho as maiores dúvidas. É certo que pode estimular a procura. Porém, ao estabelecer um referencial para as negociações colectivas que sectores confrontados com a intensificação da concorrência internacional e a estagnação da procura dificilmente poderão seguir, potencia a conflitualidade. E diminui os recursos disponíveis para acudir a situações sociais, decorrentes do aumento do desemprego, que, ao contrário da previsão optimista do Governo, tem grande probabilidade de ocorrer.
Neste quadro, a intenção anunciada pelos sindicatos da função pública de convocar uma greve, por considerarem os aumentos insuficientes, parece surrealismo. À portuguesa.
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