1 - Portugal concretizou ontem um swap (troca) de presidentes. Trocou um homem, Cavaco Silva, que distribuiu acrimónia, por um homem, Marcelo Rebelo de Sousa, que promete distribuir afetos. Um homem que esteve no poder durante duas décadas (como primeiro-ministro e como presidente da República) por um homem que há duas décadas (ou mais) ambicionava chegar ao poder. As diferenças entre os dois são muitas e substanciais, mas também incluem pormenores como a qualidade literária dos discursos (enfatizada por um sarcástico Paulo Portas), que o novo inquilino de Belém cultiva, em contraste com a rigidez discursiva e mental do antecessor. Até Marcelo reconheceu nesta sua tomada de posse - implicitamente - as diferenças face a Cavaco. "Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios políticos." Só é preciso fazê--lo porque o antecessor não quis ou não teve essa capacidade. Se Marcelo consegue ir além do anúncio, o tempo dirá. No fundo, um presidente da República, tal como os produtos derivados - os swap que tanta tinta e tantos milhares de milhões fizeram correr nos últimos dias -, encerra sempre uma dose de risco. E nos tempos que correm também depende da evolução dos mercados.
Corpo do artigo
2 - O novo presidente procurou agradar um pouco a todos. E falar um pouco de tudo. Ou seja, não aprofundou coisa nenhuma. E teria sido interessante elaborar sobre o tema do "rigor e transparência financeira" da governação, sem os quais, disse Marcelo, "o risco de regresso e de perpetuação das crises é dolorosamente maior". Porque houve vários e dolorosos episódios que, nos dias que antecederam a tomada de posse, anunciam a tal crise perpétua. Episódios como o dos swap contratados pelas empresas públicas, que poderão custar aos portugueses qualquer coisa como 1800 milhões de euros, e que gerou um inacreditável passa-culpas entre os dois partidos responsáveis pela catástrofe: o PS, sugerindo que é mais um buraco herdado do Governo PSD; este, culpando o Governo socialista de Sócrates. Episódios como o da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, que aceita sem pudor trabalhar para fundos abutre especializados em fazer negócios com o crédito malparado de bancos que, enquanto dirigente política, ajudou a salvar com o dinheiro dos contribuintes. Episódios como o das medidas adicionais (mais impostos, mais cortes) que a Comissão Europeia e o Eurogrupo dão como garantidos desde fevereiro e que o Governo atual faz de conta que não conhece nem aceita. Episódios que levam à conclusão que há mais "rigor e transparência" num contrato especulativo de swap do que na vida política portuguesa.