Se por qualquer razão fizer parte do naipe dos cotas, dos passadistas, nos quais muitos catalogarão o autor destas linhas, tenha calma: descobre nas páginas 18 e 19 a explicação dos termos Tag, Bomb e Piece, todos eles definidores das variações de algo em processo de alastramento na esmagadora maioria das zonas urbanas do país: as pinturas/borradelas de monumentos e edifícios públicos e privados.
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A olho nu observam-se, de facto, ruas e pracetas polvilhadas de inscrições nas entranhas de peças de mármore, paredes acabadinhas de ser construídas e pintadas, seja por recurso a dinheiro público ou de cidadãos anónimos. Provavelmente sustentados na ideia muito brasileira de que pimenta no cu dos outros é refresco, uns acham-lhes graça e até reclamam estatuto de arte urbana; outros ficam incomodados e pedem o fim das inscrições, muitas delas sem tom nem som.
Num processo assim, dicotómico, de que lado mora a legitimidade?
A resposta é mais fácil do que possa parecer.
Os reclamantes do direito de expressão através dos grafitos devem, antes de tudo, fazer prova da impossibilidade de travarem os impulsos. Em vez de andarem de rua em rua a dar cabo de bens públicos ou de terceiros, devem em primeiro lugar exercitar o "vício" no interior das suas casas. Nas paredes do quarto, na casa de banho, no tecto do corredor e por aí fora. Ficar-lhes-á bem e podem, a seguir, abrir concursos entre si - e até cobrar uma taxa de visita a cada português que queira apreciar um boneco palerma por cima do fogão na cozinha ou uma palavra indecorosa no tecto da marquise. E depois disto, como o processo merece continuidade, sim, valerá a pena fornecer-lhes zonas públicas nas quais possam exprimir sentimentos, a tal arte urbana, com uma facilidade extra desde já sugerida para as cidades dotadas de tal infra-estrutura: as paredes (interiores, incluindo as das jaulas) de jardins zoológicos!
Quanto aos que não confundem criatividade com atropelo a regras mínimas de cidadania por grupelhos mais conotados com o vandalismo do que com o estado da Arte resta-lhes um posicionamento: continuar a reclamar a aplicação das sanções previstas na lei a todos quantos, debaixo de uma capa mistificadora de um carácter energúmeno, não são capazes de comportar-se em sociedade. Respeitando-a.
Afinal de contas, um país melhor faz-se também do combate aos (aparentes) pequenos problemas. Razão suficiente para a valorização do debate sobre os grafitos em detrimento dos discursos chatos de ontem, nas comemorações-mofo do 5 de Outubro, e nas quais o presidente da República, Cavaco Silva, voltou a não expiar os seus pecados do passado e preferiu um truque à Octávio Machado: eu avisei e vocês sabem do que estou a falar...