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Já se transformou num hábito. Os senhores pilotos da companhia aérea nacional parecem ter um prazer especial em martirizar os portugueses e os turistas estrangeiros, ameaçando com pedidos de greve em momentos cirurgicamente escolhidos de forma a maximizar o dano. O procedimento é simples. Lançam mão de um direito que é legítimo para sacarem à empresa mais alguns benefícios ilegítimos.
Esta cena, que se vem repetindo nos últimos anos, traz-me sempre à memória uma conversa que mantive há mais de uma década com um piloto da Sabena, amigo de um amigo. Estávamos em Bruxelas e o senhor, homem a caminho dos sessenta anos, dizia com uma lágrima no canto do olho que fora informado que o seu voo do dia seguinte havia sido cancelado. A razão era simples: a Sabena tinha falido. O dito piloto, que não voltaria a voar, lá explicou que os trabalhadores seus colegas estavam convencidos de que uma empresa de bandeira nunca cairia e que o Estado belga, para a segurar, cederia a todas as suas exigências, por mais extravagantes que fossem. Na verdade, caiu a Sabena e caiu a Swissair.
No caso da TAP, alguns dos trabalhadores, em especial pilotos e pessoal de cabina, têm mostrado imensa destreza na manipulação da administração de forma a obterem benefícios próprios. Fernando Pinto parecia ter trazido a paz à empresa nos últimos anos, apesar de ter eliminado privilégios que vinham do passado, mas é agora colocado perante mais uma ameaça de greve com elevado potencial de destruição. Desde logo porque são dez dias, um luxo só suportável por quem ganha muito bem, como é o caso dos pilotos. Depois porque, entre reservas anuladas, despesas com passageiros e turistas que fogem, a economia perde umas centenas de milhões de euros. Por fim, porque destrói valor numa empresa em vésperas de privatização.
As exigências dos pilotos, que ao que parece não estão no acordo assinado em dezembro, são agora a devolução das diuturnidades suspensas desde 2011 e o acesso a 10 a 20% do capital da empresa. Extraordinário. Recusam-se a suportar os efeitos da crise e, no fim, ainda reivindicam o seu quinhão do Estado. Era como se eu me atrevesse a exigir de volta os cortes salariais dos últimos anos e ainda uma quota de 20% da Universidade, inteirinha para a minha classe profissional.
Aquilo que penso mesmo é que um país não pode estar à mercê desta chantagem periódica com que nos brindam os senhores pilotos. Tal como aconteceu com outras companhias europeias, um destes dias vão mesmo ter de apanhar outro avião. Fazendo juiz à versão jocosa da sigla TAP, "Take Another Plane".