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Subscrevi o manifesto "Não TAP os olhos" que defende a suspensão da privatização da empresa por um motivo principal: este Governo não defende o interesse público quando privatiza. Viu-se nas rendas da EDP, no saneamento dos CTT, vê-se todos os dias na ANA (a empresa francesa que gere os aeroportos nacionais em monopólio), entre outros casos.
A TAP deve deixar de ser controlada pelo Estado? Até admito que sim - por exemplo, com uma dispersão em bolsa, como defendeu o líder do PS, António Costa. A TAP não pode ser eternamente uma empresa arruinada pela gestão (pré-Fernando Pinto), pelos negócios ruinosos em empresas associadas e também pelos prejuízos das greves, década a década. Tudo a TAP aguentou, graças a uma exploração comercial que a tornaria sustentável. Por isso mesmo, não faz sentido vendê-la de qualquer forma, mas sim investir nela e dar-lhe outra vida.
Uma greve forte e inequívoca na TAP, contra esta privatização apressada, teria talvez o apoio de grande parte da opinião pública - que certamente gostaria de manter a TAP minimamente controlada a partir de Portugal. Mas uma greve neste período do ano afrontaria uma das poucas coisas que os portugueses ainda têm: a estima das pessoas de que gostam. Ainda bem que os sindicatos quiseram saber.
O Governo ganharia com esta greve, uma vez mais. Esmagaria os trabalhadores da companhia com a requisição civil impondo uma medida que não passaria como legítima não fora o facto de ser Natal. Ganharia também porque lhe daria ainda mais legitimidade para vender a empresa - já ninguém aguenta a TAP todos os dias nas notícias: ou atrasa, ou avaria, ou faz greve, ou não tem dinheiro.
E, no entanto, esta imagem da TAP é, no essencial, errada. A empresa é um exemplo de segurança aérea. É o principal veículo de internacionalização portuguesa. Mais do que a REN ou a EDP ou a GALP, transporta o principal ativo do país: as pessoas que ainda se dispõem a viver ou fazer negócios por cá. A TAP é também crucialíssima para o turismo - o setor que melhor está a aguentar.
Razões como esta explicam o óbvio: muitos dos subscritores do manifesto contra a privatização da TAP não o fazem por serem contra o Governo. O que uniria ideologicamente Adriano Moreira, Tony Carreira ou o general Loureiro dos Santos? Nada exceto o reconhecimento de um bem nacional importantíssimo em termos estratégicos e de internacionalização da economia.
Um exemplo, comprovável por qualquer pesquisa na internet: bilhete do Porto para Dublin com a Ryanair. Para começar, não há voos até ao final de março. Negócios na Irlanda? Só indo a Lisboa ou Londres apanhar o avião. Entretanto, mesmo se marcarmos uma visita para maio, o bilhete de ida e volta fica em 175,48 euros com seguro-base, uma mala de 15 kg e taxa de pagamento. Não é demasiado caro mas não é low-cost. É, no entanto, bastante mais caro do que ir a Londres - onde a Ryanair tem a concorrência da Easyjet e da TAP - e a distância é a mesma. Por isso, digo que a diferença está na concorrência rota a rota e na regularidade da ligação ao longo do ano. Obviamente as companhias que não fazem voos no inverno não perdem dinheiro, claro. Coisa que a TAP tem de manter, sobretudo nas rotas da diáspora portuguesa.
Para que não haja equívocos: fico muito feliz com a presença da Ryanair, Easyjet, Transavia e outras companhias no Porto e em Portugal. Foram e são essenciais para o enorme crescimento turístico da cidade, da região, do país. A TAP, aliás, relegou o Porto ou os Açores para situações de enorme desvantagem durante muitos anos nos horários e preço. Mas isso foi sendo corrigido e hoje é uma empresa com um papel imprescindível se o seu centro de interesse for Portugal. Até porque a TAP é a maior exportadora nacional de serviços e obtém 75% do seu valor acrescentado bruto no exterior. Atirar isto pela janela, ainda por cima a custo zero, é difícil de engolir.
Posto isto, com ou sem greve, não é certo que o fim do filme não continue a ser o que o Governo deseja. Como fazê-lo recuar quando até Cavaco Silva já assinou o decreto da privatização? Só mesmo um sobressalto cívico, cada vez mais raro em Portugal. Mas como não há, o gonçalvismo às avessas de Passos Coelho tem aqui mais um capítulo. Uma tragédia irreversível.