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Que legitimidade é que a Câmara de Lisboa tem para cobrar uma taxa dita "turística" a cidadãos estrangeiros que se deslocam ao nosso país, recorrendo - tantas vezes por falta de alternativa - a um aeroporto construído na capital, mas pago pelos impostos de todos os portugueses, mesmo que não viajem com o propósito lúdico que deu nome à decisão, ou escolham como destino qualquer outro ponto do território nacional? E que legitimidade tem a ANA, uma empresa, para se substituir ao Estado, na decisão de entregar a uma única autarquia, os milhões retidos ao conjunto dessas pessoas, ou o valor equivalente? A resposta ocorre fácil. Nenhuma!
Mas o propósito, nascido da vontade do socialista António Costa, que quer ser primeiro-ministro de Portugal inteiro, dá corpo como poucos a um velho adágio popular: Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.
Através de Lisboa, Costa desmente o que nas proclamações, em campanha, promete ao país. E concede a si, sem pudor, os pecados que aponta àqueles a quem faz oposição.
Em 2013, enquanto presidente da Associação de Turismo de Lisboa, António Costa acusava o Governo e a ANA de quererem matar o setor do turismo na região, aumentando taxas. Por seu lado, o diretor-geral da associação reforçava que havia nisso "uma falta de cuidado, uma ganância. Há mais turistas, vamos sacar mais dinheiro".
Passou um ano. António Costa, eleito secretário-geral do PS em 2014 mudou de fato. E tanto bastou para que as "taxas assassinas" do setor, sinónimo da austeridade dos malvados no Governo, se transformassem no oxigénio previdente que salvaria financeiramente o turismo da capital. Num debate parlamentar ocorrido em 6 de novembro, o ministro da Economia, Pires de Lima, dizia assim: "Eliminámos muitas taxas e taxinhas no setor do comércio e dos serviços, no setor do turismo, que objetivamente ajudaram a diminuir os custos de contexto nestes setores que agora estão a melhorar a sua atividade. Eu só espero que depois de termos resistido à criação de taxas na área das dormidas, a administração local, nomeadamente na zona de Lisboa, liderada pelo autarca que também é candidato a primeiro-ministro (...) tenha o mesmo poder de resistir às tentações a que resistiu o Governo".
Este debate, como é sabido, teve amplo destaque pela forma expressiva como o ministro se pronunciou. Pena que o conteúdo, tão certeiro quanto ao que antecipou, só vá sendo recordado ao de leve. E que taxas que seriam tidas como exemplo de implacável austeridade na coligação que governa, em António Costa possam ser toleradas como outra coisa qualquer.