Taxas e tempos extraordinários
São realmente tempos extraordinários estes que vivemos, em que um Governo socialista maioritário parece estar contra a ideia de criar novos impostos sobre as grandes empresas que obtêm lucros inesperados com a crise energética.
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Mas será mesmo que o PS começou a desenvolver uma pulsão autofágica num tema que lhe podia render tanta bonomia eleitoral? Se quisermos fazer uma reflexão sobre o assunto usando apenas uma lente ideológica, podemos muito bem resumi-lo assim: os ricos que estão a ganhar com a crise têm de pagar a crise. Em especial as petrolíferas, que anunciaram ganhos leoninos durante este período. Ora, qualquer cidadão com um pingo de sensatez que não seja acionista da Galp é capaz de concordar com a bondade deste princípio universal. Só que o diabo, também nestas coisas, está nos detalhes. E são os detalhes, e a ineficácia dos casos já conhecidos (Espanha e Itália) na aplicação da chamada contribuição solidária, que ajudam a enquadrar a resistência do Governo.
Mesmo que o grande argumento a favor da introdução desta taxa seja moralmente inatacável (o de que devemos ser todos chamados a ajudar na medida das nossas possibilidades, impedindo que uns poucos lucrem com a desgraça de tantos), e que a presidente da Comissão Europeia tenha proposto uma contribuição solidária e temporária - de um ano - para aumentos de lucros superiores a 20% face à média dos últimos três anos, há dúvidas que explicam este empurrar com a barriga: em primeiro lugar, o receio de que esse adicional fiscal seja incorporado nos preços finais e acabe a ser pago pelo consumidor, como tem acontecido sempre que se mexem nos impostos das atividades económicas; em segundo lugar, está por perceber o real alcance desta medida nas contas das empresas, dado que há uma parte considerável dos ganhos destes gigantes que não pagam impostos em Portugal. Se juntarmos a isto uma mais do que provável batalha judicial como aquela que foi desencadeada após a implementação, em 2014, das contribuições extraordinárias na energia (o Estado está a "arder" em centenas de milhões de euros), temos uma verdadeira perceção dos avanços e recuos na discussão. Ainda assim, acredito que, por pressão política e mediática, e muito provavelmente porque os preços vão aumentar quando a Rússia começar a fechar a torneira no inverno, a medida acabe por avançar. Veremos com que ganhos para os consumidores. Bom mesmo era que alargássemos o princípio às empresas de distribuição alimentar e à banca. Se é para haver justiça social e fiscal, que paguem todos.
*Diretor-adjunto