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Não segui com atenção e rigor o que se vem passando por estes dias entre os taxistas e os motoristas da Uber e da Cabify.
Tenho noção do mal-estar instalado até porque, sendo passageira mais ou menos regular do serviço de táxis, não pude deixar de registar o protesto em crescendo de há muitos meses para cá.
Suponho que seja normal o confronto entre um serviço regulado, certificado e fechado (apenas acessível por concessão de alvará) e um outro que, garantindo o mesmo resultado final (o transporte de indivíduos em automóvel ligeiro do ponto A ao ponto B) escapa ao setor de atividade pondo o enfoque numa atividade de intermediação (a plataforma Uber/Cabify) que apenas faz o match de disponibilidades.
Assim de repente fica-me a ideia de que seria tão bom se a Uber ou a Cabify se dedicassem aos transportes coletivos...
É que estas ideias simples de grande impacto (e a ideia é o modelo de negócio e não a tecnologia) têm pelo menos a virtude de moderar exageros regulatórios e legislativos (de que o setor seguramente sofre) e de importar uma série de melhorias no serviço que, em última instância, beneficiarão o consumidor.
O caminho, já se sabe, é espinhoso, por vezes violento e a convocar uma superior capacidade de diálogo e moderação por parte de todos os protagonistas envolvidos.
Mas, chegada aqui, lembro-me do sr. Silva! O sr. Silva era o único taxista da minha aldeia. Conduzia um carro grande e antigo, preto de teto verde e foi, durante muito tempo, o homem mais viajado que conheci. Saía para levar os emigrantes à fronteira, ou a Lisboa. Ia a Espanha comprar mercearia que depois aparecia nas tendas e até tinha ido uma vez a Paris levar os pais do sr. Machado dono do mais famoso restaurante português, à época, na Cidade Luz.
Era um homem importante, o sr. Silva.
Mas era também um homem muito necessário. Levava doentes ao hospital, jovens mães à maternidade, enfeitava o carro com tules para levar as noivas nos casamentos e transportou muitos padrinhos de batizado.
Quando morreu, toda a aldeia se despediu com afeto e saudade.
Um taxista, no Portugal desse tempo, não era um homem qualquer. É bom que, nestes tempos duros, da tecnologia e do poder, ninguém se esqueça desta memória humanizada de um serviço que foi, durante décadas, um verdadeiro agente de modernidade.
E que ninguém se esqueça também que hoje, ainda hoje, há muitas terras neste nosso país onde, depois da tardinha, o único transporte disponível é o táxi. E muitas vezes, só há mesmo um!
* ANALISTA FINANCEIRA