Não é um programa qualquer: é o mais antigo da TV portuguesa. Não é um formato irrelevante: assume-se como a âncora de uma grelha televisiva. Não é noticiário insignificante: apresenta um conteúdo que vai redesenhando o país que somos e o quotidiano que temos.
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Ao comemorar 60 anos, o Telejornal (TJ), da RTP1, deve fazer o balanço do trabalho realizado e projetar-se num futuro em que a informação se vai redimensionando, sem perder de vista a essência do jornalismo: relatar o que acontece com rigor e verdade.
Surgiu a 18 de outubro de 1959. Até à viragem de abril de 74, o TJ foi legitimando o poder vigente e refletindo um país vagaroso, submisso a hierarquias e pendurado em tradições. Em 2009, um estudo académico levou-me a ler centenas de alinhamentos e ali vi um Portugal reverencial face aos vários poderes da altura (nunca esqueci as indicações que se rabiscavam nas margens para que os textos que falavam de Américo Tomás fossem lidos de pé...).
Em 74, uma liberdade irreverente libertou a TV pública da ligação umbilical ao poder político. Aos poucos, os alinhamentos tornaram-se diversificados, a escrita ficou mais fluida, as imagens ganharam ritmo e as peças conquistaram autonomia. Com a revisão constitucional de 1989, a RTP fica a saber que o seu monopólio estava por um fio e prepara-se para a chegada da concorrência que acontece em 1992. Nesse tempo, a política cede protagonismo a temas da sociedade, intensificam-se diretos e aposta-se na imprevisibilidade dos acontecimentos como regra de seleção noticiosa. Desenvolvendo em 1995 uma tese sobre o Telejornal desse tempo, percebi que algumas das conquistas que muitos reivindicavam para a informação da TV privada estavam em embrião no TJ dos finais dos anos 80.
Ainda que no primeiro quinquénio dos anos 90 tenha sido um programa central na guerra de audiências com a SIC, o TJ já não é um formato de arremesso no duro jogo de audimetria. No entanto, funciona como um referencial importante para uma qualidade de informação que encontra na TV um importante barómetro. Não será, decerto, por acaso que, em momentos importantes (disruptivos ou celebrativos), os cidadãos se aproximam mais do noticiário de horário nobre da RTP1. Porque há ainda uma confiança que a TV pública, pela sua natureza, tem obrigação de consolidar.
É tempo de celebrar o presente, mas também de prestar homenagem ao muito que se fez nestes 60 anos. Com essa experiência, a RTP tem aqui um motor importante para se lançar num futuro que reclama uma profunda renovação da informação jornalística.
*Professora Associada com Agregação da Universidade do Minho