A chamada reforma do Estado é um tema recorrente na agenda política portuguesa, embora a mais das vezes a discussão se confunda com o ruído de grupos de interesses instalados, ou não, no aparelho de Estado. Um exemplo de uma oportunidade perdida deu-se, já lá vão quase 15 anos, aquando do referendo sobre a regionalização. Na ocasião, prevaleceu uma coligação espúria que ia desde os puristas que achavam o modelo em causa desasado até aos cínicos que, na falta de coragem para assumir as vantagens que retiravam do modelo prevalecente, não hesitaram em usar um populismo rasteiro, resumindo tudo à criação de mais uns quantos "tachos". Do outro lado encontraram um grupo cuja soberba, na antecipação de uma vitória fácil, era proporcional à respectiva impreparação. O resultado? A ausência de um legado sobre o qual se pudesse, pelo menos, ir tentando assentar pedra sobre pedra do edifício da descentralização.
Corpo do artigo
Assim, não admira que as principais tentativas de reforma tenham tido a assinatura de Relvas sob o lema "é preciso que tudo mude para que tudo fique na mesma". O silêncio dos que haviam criticado a regionalização por criar mais um nível na administração, quando nas propostas em causa é isso que acontece, é sintomático. Pelo meio, a extinção, sem regra nem critério, de um grande número de freguesias funcionou como uma manobra de diversão, engolida pelos mais distraídos.
A visão que o Governo, ou Relvas por eles, tem da descentralização fica, ainda, patente na forma como pretende passar a nomear os presidentes das CCDR. Estas que, contra ventos e marés, sempre tinham sido capazes de manter uma natureza política, mesmo que mitigada, passarão a ser dirigidas por um funcionário escolhido por concurso público, tornando-as uma mera correia de transmissão dos ditames governamentais. Essa lógica já tinha sido ensaiada com a anterior presidência da CCDRN. Escrevi, na altura, que talvez os indigitados fossem capazes de nos surpreender. Tecnicamente o trabalho terá sido meritório. Politicamente, a sua capacidade de apontar cenários, motivar discussões, congregar forças, dar voz pública aos interesses da Região pouco menos do que desapareceu. Não obstante, ou talvez por, Duarte Vieira ser um senhor. Rompeu-se com uma tradição iniciada por Valente de Oliveira em que se filiaram nomes como Braga da Cruz, Silva Peneda, Arlindo Cunha ou Carlos Lage que deram ao presidente da CCDRN (e, em certa medida, aos das outras CCDR: recorde-se Alfredo Marques, Fonseca Ferreira ou Adriano Pimpão) um protagonismo que atravessava espectros partidários e que, a prevalecer a nova lógica, convenientemente, desaparecerá.
Os centralistas no Governo terão a tentação de ver a permanência das disparidades no desenvolvimento regional como a prova provada da pouca eficácia do actual modelo organizativo e das CCDR, em particular. Pergunta-se: como seria se não houvesse, apesar de tudo, algum input regional na definição da política e na gestão dos fundos?
A desvalorização da dimensão regional atinge o seu auge com a saída de Almeida Henriques. A não ser que se prepare uma remodelação, se as suas competências podiam ser dispersas por outros membros do Executivo, não se percebe por que não o teriam feito antes. Sucede que Almeida Henriques era um dos poucos governantes que pareciam saber o que queriam para o novo quadro estratégico comum, emergindo como interlocutor das entidades regionais e locais.
Por tudo isto, Francisco Araújo tem razão nos alertas que faz, embora não seja apenas o Norte, mas o país como um todo, a ser penalizado com esta política. É voz isolada? O timing para as mudanças não é inocente. Com a aproximação das eleições autárquicas e os candidatos distraídos com localismos é fácil ignorar as questões regionais, fundamentais para o desenvolvimento do país. Se assim for, tema-se o pior.
P.S. João Bilhim resolveu, a despropósito, apoiar a funcionalização do presidente das CCDR, um processo tão ou mais político que aquele que conduziu à sua escolha, a qual, não por acaso, não foi por concurso quando até havia melhores argumentos para que o fosse.
O autor escreve segundo a antiga ortografia