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Vá lá, 40 anos de democracia já são tempo suficiente para nos portarmos como gente grande e olharmos para o espelho da história sem grande medo do reflexo que nos devolverá. Podemos estar ainda embotados pelos outros 48 de ditadura, em acumulação a uma série de séculos de exaltação da glória pátria, que deram umas tantas estátuas em pose majestática e ruas com nomes como Diogo Cão, Diogo de Teive ou Diogo de Silves, mas já é bem tempo de termos um franco solilóquio.
Sim, à nossa maneira, feita de muito comércio, muito expediente, muito engenho e alguma bravura, nós (ou melhor, os que vieram antes de nós) fizemos, com os Descobrimentos, qualquer coisa de inimaginável para um país da dimensão de Portugal. Ninguém nos tira isso, mas também é preciso ter a frieza de dizer que essa excecionalidade também não nos dá algodão branco, quando fazemos o teste de perceber como os territórios que "descobrimos" se comportaram e se comportam com o passar do tempo.
Não, também não venho aqui defender que todos os males de que padecem todos esses países aos quais ensinámos a falar português se devem a um qualquer mal endémico de origem lusa. Alguns já se libertaram do nosso domínio há quase dois séculos e outros levam décadas de trapalhadas que não temos de carregar na nossa consciência. Mas também não podemos deixar de sentir que foi fraca a herança quando desfiamos os males de que padecem países como Moçambique, Angola, Guiné, Timor-Leste ou Brasil. Sobram como ilhas nesta tormenta Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, já que Macau nunca foi bem nossa, estava emprestada.
Escutar os do Brasil dos dias de hoje é ouvir em português a desgraça política de um país e por isso não conseguimos deixar de nos sentir próximos e de alguma forma responsáveis. Não sei se é a sombra tutelar do Estado, em que se abrigam políticos corruptos e empresas tentaculares, não sei se é a tibieza das elites incapazes de perceber que um país mais justo é um país mais rico... será sempre difícil de perceber como um país que prometia um futuro novo, por estrear, está agora à beira da implosão.
Há muito nesta crise que é exclusivamente brasileiro, medrando na sua história e num sistema político desconexo. Mas também há aqui muito de universal, do mais clássico dos clássicos combates, a luta entre o bem e o mal. E mesmo que o bem não seja assim tão bom, o que se sente é que ontem foi o mal que triunfou.