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Desde o 16 de março, o golpe falhado das Caldas, que andava muita boataria no ar. O regime parecia estar a cair de podre, ao ponto de o sinistro Spínola do monóculo, que combateu com a Divisão Azul, ao lado dos nazis, na frente russa, já se demarcara enfiando nas costas do marcelismo o punhal do livro "O Portugal e o futuro".
Tudo levava a crer que a coisa estava por um fio, mas por outro lado (há sempre um outro lado) os sinais eram contraditórios. Há três semanas, a multidão que enchia o estádio de Alvalade para assistir ao derby de Lisboa levantou-se como uma mola à entrada de Marcello Caetano, aplaudindo-o freneticamente num ambiente de apoteose (o Sporting perdeu 3-5 com o Benfica, mas foi campeão).
De 24 para 25 dormi depressa. Deitei-me tarde, pois até meio da noite andei entretido, com alguns camaradas da LCI, a enfiar panfletos de mobilização para o 1.° de Maio nas caixas de correio dos bairros da Pasteleira e de Pinheiro Torres. E acordei cedo porque tinha Alemão (a disciplina que me obrigou a repetir o 7.o ano), ao primeiro tempo.
Ao ver, do trólei, soldados com G3 à entrada e saída do tabuleiro superior da Ponte D. Luiz, desconfiei que se calhar havia golpe. Chegado ao Liceu de Gaia, as suspeitas confirmaram-se. Estavam a mandar--nos para casa. Acatei o conselho para destruir os panfletos que tinham sobrado da distribuição noturna, não fosse tratar-se de um golpe da extrema-direita, do Kaulza, que endurecesse o regime e agravasse a repressão. Depois, fui para a Baixa ver como paravam as modas.
Os tiros disparados do cimo da avenida, talvez da Câmara, por volta da hora do almoço, só adensaram o mistério sobre a origem do golpe que preocupava a multidão que engrossava de hora a hora.
Lá para o fim da tarde, quando já era claro que os ventos que sopravam eram os da liberdade, subimos, com a Virgínia Moura à frente, até à Rua do Heroísmo, a manifestar o nosso ódio à PIDE junto à sede da polícia política. Foi bonita a festa, pá!
Quarenta anos é muito tempo. Já dez o são, como nos avisou o Paulo de Carvalho, que entrou para a banda sonora da Revolução dos Cravos com outra das suas bonitas canções. Para a esmagadora maioria dos sub 50, o 25 de Abril é mais uma data musealizada, uma espécie de 5 de outubro melhorado, porque ainda dá direito a feriado.
E não há mal nenhum nisso. De vez em quando, sabe-me muito bem recordar aqueles momentos em que saboreamos a conquista da liberdade e nos afadigamos na construção de uma sociedade que é mais justa, mas infelizmente muito menos do que nós sonhávamos e que temos direito.
Reviver é bom, mas não podemos ficar presos no passado, como um disco riscado. Resolvidos os três D (Democracia, Descolonização e Desenvolvimento), é tempo de andarmos para a frente no abecedário, passando para a letra E.
Temos de ser mais empreendedores, de exportar mais e, por que não?, emigrar, se tal for necessário. Para dentro ou para fora do país. Para dentro ou para fora da Europa. Para onde houver oportunidades. Fomos grandes sempre que partimos à descoberta do Mundo.