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Raras vezes uma crise é o resultado de uma tempestade tão perfeita como a que atualmente assola o Brasil. É como se cinco tornados se tivessem formado ao longo do tempo tendo, agora, convergido para o olho do furacão.
Em primeiro lugar a economia. Nada está como estava há cinco anos. Quando Lula deixou o poder, o PIB real crescia a 7,6%, o desemprego era de 6,74%, a inflação 5,91% e a dívida interna de 1603 milhões de reais. Agora espiralam do centro da tempestade, um PIB negativo de 4,3%, um desemprego de 8,6%, uma taxa de inflação de 10,61 e uma dívida interna de 2504 milhões de reais.
Em segundo lugar a corrupção. Uma pesquisa rápida demonstra que na década de 90 se registaram 21 megaprocessos, com destaque para o que levou ao impeachment de Collor de Mello. Na década de 2000 registaram-se 39 megaprocessos, sendo o mais mediático o chamado "Mensalão" que levou à prisão de José Dirceu, ministro da Casa Civil de Lula. Desde 2010 vai já em dez o número registado de processos com evidente enfoque na operação Lava Jato que catalisou o descontentamento de todas as anteriores por ter chegado aos pés do ex-presidente da República.
Em terceiro lugar, o papel dos média. Essencialmente privados e com acesso a muitas e boas fontes, a televisão, os jornais e as revistas brasileiras, tomam partido e defendem reações. No primeiro mandato de Dilma Rousseff, seis dos ministros destituídos por alegadas irregularidades viram os seus cargos em crise depois de amplas denúncias publicadas no "Estadão", na "Folha", na "Veja" ou na "Época".
Em quarto lugar, a judicialização da política. Desde Joaquim Barbosa no caso do "Mensalão", a magistratura envolvida nos julgamentos mais importantes, assume claramente a herança da operação "Mãos Limpas" italiana. Sérgio Moro da operação Lava Jato é um caso evidente, assumindo interpretações legais que expõem o seu julgamento prévio.
Em quinto e último lugar o legado de Lula. O ex-presidente não deixou apenas o Brasil com melhores fundamentais. A boa forma macroeconómica beneficiou a consolidação de uma classe média que passou de 66 milhões para 118 milhões de pessoas.
Mas foi mais longe, beneficiou diretamente milhões de famílias com programas sociais de primeira necessidade tendo como resultado retirado da pobreza mais extrema 47 milhões de pessoas.
As últimas não esquecem e as primeiras não perdoarão se tiverem de regressar a classes de rendimento menos favorecidas.
Por esta razão a sociedade se apresenta tão polarizada. E talvez também por esta razão se consiga evoluir para um entendimento que não submeta o poder das instituições ao poder dos juízes mas antes aproveite a sua corajosa transparência para renovar a credibilidade do sistema e a confiança do povo.
* ANALISTA FINANCEIRA