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Depois de uma trégua relativa de anos, os incêndios regressaram em força porque tivemos uma primavera húmida que carregou a mata de materiais combustíveis, seguida de um longo período de estiagem e de altas temperaturas que as transformaram num pasto para as chamas. Só faltavam os rastilhos do costume - a incúria, a estupidez, a maldade e eventuais interesses vários - para comprovar que tudo o que entretanto foi investido para combater os incêndios não foi suficiente.
É verdade que o MAI fez uma forte aposta na prevenção e nas intervenções rápidas que impediram que muitos incêndios tomassem outras proporções. Conseguiu, assim, adiar a tragédia, mas percebeu-se o desapontamento de Vasco Franco, o discreto e competente Secretário de Estado da Protecção Civil, quando a situação deixou de estar sob controlo.
Por muito que se invista em meios e que os bombeiros continuem a ser os heróis de cada verão, o país arde quando as condições climatéricas são adversas. A ignorância, catalogada como negligência, que é responsável por muitos fogos, não tem cura, e os incendiários, que toda a gente conhece pelo nome em terras onde o fogo não dá tréguas, continuarão a gozar da impunidade que a ausência de policiamento e o laxismo instalado no sistema judicial lhes confere.
A solução duradoura passa pela prevenção, reduzindo o risco de incêndio e facilitando o seu combate, tentando corrigir os erros de ordenamento que complicam as operações, já que os bombeiros se vêem muitas vezes forçados a proteger um casebre encravado na floresta à custa de deixarem arder muitos hectares de árvores, investindo numa rede de caminhos florestais que facilitem as acessibilidades e recrutando mais gente no tempo de Verão para vigiar as matas e criar centros de detecção e aviso. Tudo isso será, ainda assim, insuficiente se não houver uma política ousada para a floresta e se não se repensar o reflorestamento, mesmo em termos de espécies.
Seria preciso apostar sem tréguas na limpeza das matas, que deixou de ser gratuita porque as populações já não recorrem a elas como fonte de abastecimento de combustível para uso doméstico. É óbvio que essa limpeza deve ser compulsiva, e deve ser paga pelos proprietários. O problema, contudo, é que muitos consideram essa despesa inglória ou não têm recursos disponíveis para arcar com esse custo porque a receita da floresta estagnou, já que se deixou de produzir e exportar madeira serrada, e as celuloses, que se abastecem nas suas matas privadas - que aliás são menos sujeitas a incêndios porque são vigiadas, limpas e mondadas - prefere complementar essa produção própria com estilha importada. Por isso, o Estado, que já hoje comparticipa, ainda que de forma modesta, na limpeza das matas, deveria investir numa rede logística para facilitar a recolha e encaminhamento dos resíduos para unidades de biomassa. Por outro lado, os benefícios fiscais que hoje existem para a utilização doméstica de energia solar deviam ser alargados aos recuperadores de calor, como forma de fomentar a utilização desses resíduos para fins domésticos. A floresta, tal como a conhecíamos, está a desaparecer, porque o interior está desertificado, porque o modo de vida das populações se foi alterando e porque deixou de ser uma fonte de riqueza para os seus proprietários. E, se é inequívoco que o país colhe benefícios da floresta, então vale mais investir no seu aproveitamento económico à luz das novas realidades, do que investir num dispositivo militar para combater os incêndios que resultam do seu abandono.