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Se perante o contraste das declarações de Nuno Melo e de "Chicão" (ex-líder do CDS) no caso da Flotilha Humanitária para Gaza já tinha ficado saudosa do passado, a cada semana política portuguesa reforço mais a ideia de que realmente éramos felizes e não sabíamos. O caso das burcas só veio comprovar que este "centro" direita está demasiado colado à agenda do Chega para sequer ensaiar laivos da sua identidade política original e a lei do trabalho que querem aprovar é assustadoramente próxima do radicalismo da Iniciativa Liberal. Onde vai o liberalismo político e a social democracia do PSD? E a defesa da Doutrina Social da Igreja? Por onde se esvaiu o espírito democrata cristão do velho CDS?
O diapasão está tão puxado à Direita que tudo o que é levemente social democrata é apontado como sendo radicalismo de extrema-esquerda, ao mesmo tempo em que se normalizou completamente que o PSD ande a toque de caixa, cumprindo diligentemente a agenda de André Ventura. Pior do que isso, é perceber que a oposição interna no PSD é mais Chegana que o Chega, com Passos Coelho (que há muito anda de senha na mão à espera de uma brecha para regressar numa manhã de nevoeiro) reproduzindo discursos que parecem sair de teorias da conspiração do Tik Tok de Rita Matias. Sendo fácil perceber que, havendo internamente quem não concorde com as escolhas de Montenegro, em caso de mudança de liderança no futuro, não será para recuar ideologicamente aos velhos valores do partido, mas antes para caminhar para a fusão com os populistas.
De facto, por muito que este cenário seja desolador, a tendência para uma permanente normalização dos discursos de extrema-direita (com a omnipresença de Ventura nos media) e com a conivência com a Direita do sistema, faz temer que, num futuro próximo, tenhamos muitas saudades de Montenegro, tal como é fácil ter de Assunção Cristas, cada vez que Nuno Melo abre a boca. Aliás, já que vivemos na era da relativização e do pragmatismo, já estou em estágio para embrulhar o estômago e votar em Marques Mendes ou até no Almirante Gouveia e Melo na segunda volta das eleições, dentro do mais que provável cenário de termos de escolher entre um tiro no pé ou um tiro na boca.
São tempos realmente bizarros estes, em que concebo votar num aparelhista do PSD para impedir que um militar ganhe as presidenciais, ou num militar para impedir que um facho seja presidente. Tempos em que "Chicão" é uma das figuras mais sensatas e ponderadas do comentariado televisivo, porque de resto é tudo de Miguel Morgado e Moita de Deus para baixo. Tempos em que até o Paulo Portas das feiras e da lavoura parece pouco populista e em que o velho e beato CDS fica como um partido absolutamente centrista na fotografia.

