<p>A crise, sempre a crise, outra vez a crise, que tão largas costas tem. Por estes dias - exceptuando a retemperadora pausa para aplaudir a entronização de Barack Obama - a crise é o único tema de conversa. Enquanto o cidadão comum tomou consciência de que conservar o emprego se tornou a prioridade das prioridades, a classe política vai esgrimindo soluções sobre a maneira mais adequada de sair do túnel, mesmo desconhecendo se há luz ao fundo. No essencial, confrontam-se duas alternativas. De um lado, os defensores do investimento público. Do outro, os que privilegiam a redução de impostos. </p>
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Os adeptos da primeira opção fazem fé no papel de alavanca da economia que tradicionalmente se atribui à obra pública. Uma teoria que nem sempre resiste ao teste da realidade. Porque para lançar investimentos o Estado tem de ter disponibilidades financeiras - e não nada em dinheiro, muito menos neste momento. Porque há investimento e investimento, um mais "reprodutor" do que o outro. Tome-se o exemplo do TGV, passando, por comodidade, ao lado do debate sobre a dimensão nacional ou ibérica do projecto. Na fase de construção, cria postos de trabalho, mas também despesa pública, que naturalmente se prolonga no tempo. Depois, ninguém pode com segurança afiançar que em passageiros e mercadorias é uma aposta rentável, nem que constituirá factor de dinamização de uma economia que tarda a libertar-se do amaldiçoado estatuto periférico.
É no pressuposto de que o alívio fiscal se repercute na criação de emprego que assenta a defesa do corte nos impostos. Também não se trata de um "remédio" isento de efeitos secundários. Estando descapitalizadas, não é garantido que as empresas utilizassem essa margem para se abalançarem a novos investimentos e, por essa via, recrutarem trabalhadores. O mais provável é que a redução do IRC tivesse um efeito equivalente ao da operada no IVA: quase nulo.
As famílias, apertadas, agradeceriam que sobrasse menos mês no fim do ordenado. Mas suspeita-se de que mais depressa correriam aos bancos, para pagar dívidas ou abrir contas-poupança, do que às lojas, para consumir. Sem impulso do consumo, a economia real pouco ganharia. O Estado, esse, perderia sempre. E talvez um dia destes ouvíssemos os que agora preconizam a redução de impostos a bradar "aqui d'el rei", que temos de apertar o cinto para conter o défice público.
Não parece que os ventos corram de feição à aplicação "pura" de um destas receitas - por essa Europa fora a opção tem sido a combinação entre ambas - e ninguém compreenderia que se convertessem em arma de querela ideológica. Goste-se ou não, é mais pragmatismo o que a conjuntura recomenda.