O país (mais o político do que o real, é verdade) anda há uns dois meses enredado numa discussão demasiado séria para ser inconsequente. Tristemente, o passado recente mostra que, sempre que as escutas e as secretas encheram páginas de jornais e horas de noticiários televisivos, as "autoridades" não conseguiram apurar nada de monta.
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Ora, como os desmandos até agora coleccionados morreram com a culpa solteira, o caminho mantém-se aberto para que os desmandos continuem. E eles continuam, por uma entendível razão - o Poder alimenta-se de informação privilegiada, daquela que vale ouro e que ajuda a mover montanhas para alcançar os interesses em jogo.
Claro que há um pequeno problema no meio disto tudo: quando um primeiro-ministro invoca os mais altos interesses da Nação para não divulgar o conteúdo de um relatório sobre fugas de informação que, supostamente, privilegiaram um grupo económico, o primeiro-ministro está a dizer-nos que o caso toca e distorce as regras e os valores mais elevados da democracia.
Do mesmo modo, quando as secretas vasculham os telefonemas de um jornalista para tentar conhecer (e, quem sabe?, punir) as fontes que lhe passam informação preciosa sobre os serviços de informação, estamos perante a inversão completa das coisas: supostamente, as secretas existem para obter informação privilegiada que antecipe e nos defenda de eventuais ameaças ao nosso modo de vida; neste caso, porém, os serviços de informação pisaram com violência a democracia - e a informação que buscaram serviria para defender alguns dos seus mais altos dirigentes e castigar as alegadas fontes do jornalista.
Creio que a opinião pública, aquela que hoje vive tentando esticar o salário até ao limite e a rezar que o final do mês chegue depressa, dará, infelizmente, escasso valor a estes casos. A matéria envolve espionagem, interesses empresariais e económicos, política, políticos - e por isso deve ser remetida para a gaveta dos casos "lá-estão-eles-a-servir-se-do-Estado". A escolha correcta está, porém, do lado contrário: estamos obrigados a exigir que tudo seja esclarecido até ao limite do possível; estamos obrigados a exigir que rolem as cabeças que tiverem de rolar; estamos obrigados a exigir que o Governo leve isto em consideração para, sem pressas e com ponderação, altere o que, obviamente, precisa de ser alterado nos serviços de informação; estamos obrigados a exigir que os valores da liberdade e da democracia sejam defendidos custe o que custar. Sem isto, podemos começar a ter medo, talvez mesmo muito medo, de quem supostamente nos devia proteger.