Corpo do artigo
O secretário de Estado das Comunidades defendeu a importância de vincar a Língua Portuguesa no Mundo mas Rui Teixeira tem tido dificuldade em vincá-la em Torres Vedras, onde foi alvo de um inquérito por ter ordenado que um relatório fosse reescrito segundo a antiga ortografia, alegando que "Nos tribunais, pelo menos neste, os factos não são fatos, atas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário".
Vasco Graça Moura corroboraria. Porém, como a Justiça é o insondável labirinto onde Kafka se perdeu, o resoluto juiz terá cometido três delitos com aquele naco de sátira humorística, incorrendo num leque de penas que vai da mera advertência à expulsão. Não está mal, para um país onde um antigo primeiro-ministro que alinhou um textículo prolixo sobre tortura foi logo convidado a abrir um festival literário! Experiência a torturar-nos não lhe falta! Já não me ria tanto desde que Churchill ganhou o Nobel da... Literatura, ainda eu não era zigoto.
Não é que os políticos não façam coisas castiças com a Língua: António Filipe, por exemplo, esteve bem na antinomia, quando notou após as europeias que "O PS chora a vitória; o PSD e o CDS cantam a derrota". Bonito! Como Zorrinho também não esteve mal na imagética ao aventar que o PS era uma "enorme casa dos segredos onde a única discussão é a de saber qual o António que fica e qual o António que sai da casa". A minha favorita, porém, foi a metáfora de Carlos Moedas sobre o país, ao sublinhar a dificuldade de "o barco [estar] a ser reconstruído em alto mar", ao contrário de Noé que beneficiou de terra firme, sendo certo que se é verdade que Noé salvou, entre outros, dois corvos e duas pombas, não é menos verdade que o Governo safou pelo menos dois banqueiros e dois políticos gestores do dilúvio.
Já Passos Coelho, quando opta por falar, por vezes a gramática ressente-se; assim aconteceu ao convidar Seguro para uma reunião urgente "tão breve quanto possível" e, para espanto geral, o diálogo que se antevia "breve" prolongou-se por mais de três horas, ecoando no final a palavra "mente", "mente", ficando por esclarecer se a mesma se destinava a qualifica-lo quando prometeu que não haveria mais cortes, se se tratava do sufixo do advérbio do grupo verbal com valor temporal que reformularia correctamente o convite ao (ainda) líder do PS para uma reunião "tão brevemente quanto possível". Noutra ocasião, em que por força da lei da morte expressou o seu pesar pelo falecimento do cardeal-patriarca de Lisboa, opinou que D. José Policarpo havia sido "um homem do seu tempo. Uma personalidade ligada à vida e ao mundo intelectual sem com isso deixar de ser um tipo de grande bondade". Eis como fiquei a saber que pessoas "ligadas à vida e ao mundo intelectual" não são, geralmente, "homens de grande bondade", o que faz deste vosso cronista um tipo de mau fundo. Por seu turno, Seguro acusou o líder laranja de passar uma "visão cor-de-rosa" do país: para o (ainda) líder do partido da rosa, o país está pior (certo!), os portugueses estão mais pobres (certo!) mas o PS "não acompanha essa visão cor-de-rosa". Lá vão os publicitários do PS ter que mudar ("ó troca-tintas!") a cor do partido.
Mais sábio parece ter sido o presidente da Junta de Freguesia de Silvares (a quem o presidente do Centro Social chamou "palhaço") ao optar por não recorrer do veredicto do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu que chamar "palhaço" a um autarca não é crime. Decerto receando que a moda pegasse, no Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, Leal da Costa, o inarrável secretário de Estado Adjunto da Saúde, pediu para que não se utilizasse a palavra "autista" ao qualificar comportamentos ou atitudes políticas. Ignoro se tenciona fazer o mesmo nos dias dedicados às demais patologias com insultos como "ó balofo!" (Obesidade), "ó drógado!" (Tabaco), "ó artista!" (Voz), de forma a coarctar, um a um, outros insultos apetecíveis. Porque parece-me muitíssimo menos ofensivo chamar autista a um político, do que "ó político!" a um autista.
joaoluisguimaraes@mail.telepac.pt