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A vitória de François Hollande terá, naturalmente, consequências relevantes na Europa e, em particular, no espaço da moeda única. No entanto, e como as urnas francesas não contêm votos portugueses, nem sequer alemães, parece ser prematuro esperar que as eleições francesas levem Portugal a alterar o seu rumo, ou a Alemanha a encantar-se, subitamente, pelos "eurobonds".
Entende-se, ainda assim, que a vitória dos socialistas franceses tenha dado um novo ânimo aos seus correligionários portugueses, justificando a inflamada proclamação de Mário Soares. Claro que Seguro não seguirá o seu conselho, porque sabe que o Partido Socialista não tem condições para romper com a troika, mas é legítimo esperar que, dentro dos limites que esse acordo nos impõe, venha a procurar obter um consenso com o Governo que se aproxime da agenda política do seu partido.
Muito do sucesso que tem sido conseguido em Portugal, e que é reconhecido internacionalmente, depende do entendimento que tem existido nas questões fundamentais, entre o Governo e o PS. Os discursos mais ou menos inflamados que vamos ouvindo no Parlamento não passam de retórica. Sucede, contudo, que há indícios de que o dissenso, que alguns setores socialistas vêm reclamando, e que agora vêm legitimado pelas afirmações de Mário Soares, vai obtendo um número crescente de adeptos, quer entre os socialistas quer entre as bancadas dos partidos que apoiam o governo de coligação.
Por um lado, percebe-se que, em matérias fundamentais, o Governo nem sempre tem sido capaz de consultar o PS. Por outro lado, o PS parece entender que só existe consenso à medida da aceitação pelo Governo das suas imposições. Ora, o consenso só pode ser construído através de uma colaboração ativa e empenhada, e não pode ser condicionado por imposição de uma das partes, principalmente quando essa parte é minoritária. Exige-se, pois, que o sentido de Estado que o Governo, os partidos da maioria e o maior partido da Oposição têm demonstrado, continue a ser acautelado. Espera-se, por isso, que o presidente da República saiba desempenhar o papel de árbitro, e seja capaz de mediar esta discussão.
Nesse sentido, e porque o PS vem reclamando medidas de estímulo ao crescimento económico, seria útil que se conhecessem as suas propostas concretas. Se, porventura, com o beneplácito dos nossos parceiros europeus e com a ajuda dos franceses, houver forma de nos libertarmos da camisa de forças que nos tem vindo a ser imposta, ou se pudermos ter condições para alargar o prazo de reequilíbrio das nossas contas públicas, é fundamental que exista uma estratégia alternativa. Não podemos cair na ilusão de que podemos adiar a consolidação das contas públicas se não tivermos uma agenda que promova o crescimento económico. Não podemos voltar a crescer à custa do endividamento do Estado, das famílias e das empresas ou sem um aumento da produção. De outra forma, voltaremos a aumentar o endividamento do Estado e a dependência do exterior e, um dia destes, corremos o risco de vir a acordar com uma situação ainda mais grave do que aquela que hoje vivemos. Nesse caso, todos os sacrifícios que temos feito terão sido desperdiçados, e a credibilidade externa que temos vindo a reconquistar será desbaratada.
Nos próximos meses, é provável que a crise europeia se adense. Não será de estranhar que os alemães acolham algumas das propostas francesas, mas há nuvens negras no horizonte, como as que pesam sobre a Espanha e as que servem de cenário à tragédia grega. Por essa razão, interessa a Portugal que os seus principais partidos ponderem os vários cenários possíveis, e procurem um consenso sobre a forma de encarar cada um deles. Interessa, também, que a governação não perca a sua linha de rumo, por muito que isso nos possa custar, e custe.
Manuel Alegre aconselhou os políticos a lerem todos os dias um poema. Recomendo-lhe, a ele e a Mário Soares, que releiam o poema "Liberdade", de Armindo Rodrigues. É que "ser livre é ter um rumo e ir sem medo, mesmo que sejam vãos os passos".