Corpo do artigo
Já fiquei várias vezes sem gasolina porque o painel de controlo do meu Mini Clubman, fabricado no ano da Revolução de Abril, é austero na informação que disponibiliza. Quando o combustível entra na reserva, não se acende uma luzinha a avisar-me, como acontece nos carros mais jovens, da geração da sociedade da informação. Claro que tem um ponteiro que indica o nível de gasolina no depósito, mas nem sempre estou atento ao momento em que ele encosta à esquerda e deixa de mexer! Com a luzinha é outra limpeza. Acende e fico logo a saber que preciso de parar para reabastecer nos próximos 40 km. Gosto dos carros que falam comigo, a avisar-me das anomalias que os arreliam. Ainda ontem de manhã, o Opel Astra avisou-me de que o nível do líquido do lava-vidros está baixo.
A dor está para o nosso corpo como a luzinha que avisa que entramos na reserva. É o alerta para uma anormalidade que tem de ser resolvida. E, como quem avisa nosso amigo é, a dor é amiga, pois é a mensagem que informa o cérebro de que algo de errado se está a passar numa das nossas componentes. O cancro no pâncreas é dos mais mortais, porque este órgão consegue mascarar o que se passa de mau, não enviando para o cérebro o sinal de dor, e quando nos apercebemos da avaria já pode ser tarde de mais para a reparar.
Há muito mistério à volta do mecanismo da dor. A sensibilidade das pessoas à dor é muito variável e ainda não foi inventado um aparelho capaz de a medir com objetividade. Há quem, através da meditação e ioga, seja capaz de treinar o seu controlo. E há quem tenha uma extraordinária resistência à dor, como os faquires, cujo cérebro está a ser objeto de estudo.
A dor é nossa amiga, pois é essencial ao nosso mecanismo de sobrevivência. As pessoas que nascem com a síndrome de Riley-Day, uma desordem genética no sistema nervoso que as torna insensíveis à dor, têm uma esperança de vida curta, 30 anos no máximo.
Domingo à noite, a nossa democracia foi abalada por uma dor lancinante. O recorde de 66% de abstenção (mais 7,5% de votos brancos e nulos) não é uma ligeira dor de cabeça que se resolva com aspirina. E a votação nos três partidos do arco da governação ter caído para um mínimo histórico não pode ser encarado como uma leve dor nas costas que se trata com Rheumon Gel.
A dor é amiga, mas temos de lhe dar ouvidos. E a dor que o regime sentiu no domingo não é uma pequena febre que passa com um Ben-u-ron. Uma dor tão aguda e persistente é sinal de que temos um tumor maligno a corroer-nos as entranhas e precisamos de ir urgentemente ao médico, primeiro, e à faca, depois.
Será irresponsável e suicida se os líderes do PS, PSD e CDS optarem pelo comportamento autista de enfiar a cabeça na areia e ignorarem a dor - ou tentar camuflar os seus sintomas com panaceias, como o voto obrigatório, ou estímulos à moda da lotaria fiscal - do estilo de premiar com um Audi a melhor "selfie" feita numa mesa de voto ou darem uma raspadinha Pé-De-Meia a cada votante.
Para grandes males, grandes remédios. Ou será que Seguro tem cérebro de faquir e Passos e Portas nasceram com a rara e letal síndrome da imunidade à dor?