Teria Camões nascido na Alfredo da Costa?
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Camões terá nascido há 500 anos, mais coisa menos coisa, mais eclipse menos eclipse. No entanto, quando se questionam certos pormenores da sua vida, as dúvidas aumentam com a falta de documentação. Nomeadamente, onde nasceu. E enquanto ninguém encontrar um documento perdido nalguma biblioteca privada ou encerrado atrás de alguma moldura torna-se um exercício reflexivo dos desequilíbrios territoriais confirmar certas tendências.
Estas tendências, apoiadas nas vozes mais eruditas, inclinam-se para Coimbra, Lisboa ou Santarém. Portanto, um dos portugueses mais portugueses, errante, amante e inquieto, teve de nascer no Litoral. Na falta de provas, ou da afirmação do pai ou da mãe em notariado, Camões tinha de nascer onde nascem todos hoje. Ainda que recentemente tenha surgido a possibilidade de Vilar de Nantes (Chaves), o voto dos iluminados da atualidade inclina-se para a tendência atual. Como se o ontem fosse súbdito do hoje.
Querela similar aconteceu há anos sobre Fernão de Magalhães. Outro português - inclusive com a força de trocar os interesses nacionais pelos da concorrência - tinha de nascer no Porto (aliás o próprio identificava-se como de lá vizinho). Os lugares reclamantes menos densos de Sabrosa ou Ponte da Barca não teriam podido ser berçário de tal figura há cinco séculos. E porquê? Porque na falta de o próprio atestar por recursos por ora impossíveis de validação, o melhor é dizermos que o território atualmente mais provável de formar um argonauta lusitano seria também o mesmo do de então.
O próprio Afonso Henriques, outra celebridade envolta em polémica de naturalidade, é reclamado para Guimarães, por tantas e variadas razões, mas também pelos viseenses, obviamente sem a capacidade de alegação dos primeiros em função da menor densidade popular e PIB per capita.
Fenómenos correlacionados acontecem com o avistamento de vacas-louras no nosso país. O projeto vacaloura.pt, de iniciativa louvável, mostra que há mais avistamentos destes escaravelhos notáveis não onde as condições naturais os tornam, aprioristicamente, mais populosos mas onde as condições de distribuição de homo sapiens os tornam mais visíveis e observáveis - sobretudo pelos homo sapiens observadores do fenómeno.
Depois, não nos podemos admirar que o selecionador nacional Roberto Martínez pouco tenha observado de outro flaviense (Pedro Gonçalves). Porque, em conclusão, há lugares que apanham sempre mais luz do que outros. Seja ontem, seja hoje.