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A Inglaterra foi de novo flagelada pela violência terrorista. Quinze dias depois de um homem se fazer explodir à saída de um concerto, em Manchester, matando e ferindo mais de uma centena de pessoas, uma viatura galgou o passeio de uma ponte, no centro de Londres e, de seguida, os três ocupantes saíram e começaram a esfaquear os transeuntes com que se cruzaram até serem abatidos pela Polícia. Nem por isso Ariana Grande desistiu da realização do concerto de homenagem e solidariedade com as vítimas do atentado de Manchester, anunciado para o dia seguinte. De novo em Manchester, perante uma audiência entusiástica e profundamente comovida, Ariana Grande depois de interpretar, em coro, a canção, "Sabemos que eles não vencerão" afirmou perante a plateia de dezenas de milhares de jovens, muitos deles acompanhados por pais e avós: "Eu penso que todo o amor e união que vós estais aqui a demonstrar é o remédio de que o Mundo precisa, com a maior urgência". Mais tarde, a família de Krissy, uma jovem canadiana atropelada mortalmente na Ponte de Londres, onde marcara encontro com o seu namorado, fazia um apelo doloroso e lúcido: "Honrem-na fazendo da vossa comunidade um lugar melhor".
Em flagrante contraste com os sentimentos expressos pela família da vítima canadiana, a primeira-ministra britânica reagiu ao atentado de Londres acusando aquilo que designa como "excesso de complacência" face aos extremistas, deslocando o problema para o terreno das ideologias, vizinho das religiões onde a extrema-direita sempre o colocou! E fá-lo para proclamar a necessidade de reforçar as medidas securitárias, garantir mais vigilância e policiamento, impor mais restrições de direitos e assim continuar a alimentar o crescimento da desconfiança contra os estrangeiros e o ódio aos imigrantes. E promete também tornar a Internet "um lugar seguro"... como se a Internet não fosse, no Mundo global, uma metáfora dos subúrbios londrinos que Engels estudou e Dickens descreveu, com emocionado rigor, no século XIX. Os atentados terroristas foram logo reivindicados pelo autoproclamado Estado Islâmico que agoniza no Iraque e na Síria. Resta-lhe reivindicar a loucura e a impiedade dos loucos e marginais arregimentados, desde sempre, nos subúrbios mais pobres e deprimidos das grandes cidades onde a miséria e o crime se confundem, sempre ignorados pelas autoridades e desprezados pelos governantes. Os assassinos da Ponte de Londres não tinham coletes de explosivos nem sequer armas de fogo. A principal ameaça que o Reino Unido enfrenta não é a força e a eficiência das organizações terroristas internacionais. É a falta de esperança que se apoderou de uma sociedade profundamente dividida, são as políticas que conduziram à destruição dos laços de solidariedade, a impotência dos eleitos, o cinismo dos que governam, a irrelevância das alternativas políticas oferecidas aos eleitores. Com a mesma indiferença ignoram tanto os excluídos do Ocidente como o sofrimento nos campos de refugiados da Turquia.
Hoje, o Reino Unido vai eleger o novo Parlamento e escolher quem vai governar o país e conduzir as negociações para a saída da União Europeia, conforme o infeliz resultado do referendo do ano passado, convocado com meros intuitos demagógicos pelo antecessor de Theresa May, o qual se viu obrigado a renunciar à liderança do Partido Conservador, confrontado com o falhanço das suas audaciosas manobras. Aparentemente, segundo sondagens de opinião recentes, o Partido Trabalhista de Jeremy Corbin conseguiu uma recuperação prodigiosa e aparece agora muito próximo dos Conservadores, o que pode constituir um estímulo a uma maior participação dos cidadãos. Corbin não ignora que o essencial é mudar as políticas, responder aos problemas das pessoas, reconquistar a confiança dos britânicos nos serviços públicos e no governo do reino. É surpreendente a sua resistência aos sucessivos golpes, desferidos do interior do Partido Trabalhista, que o tentam, debalde, derrubar. Felicidades, Jeremy Corbin!
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL