Corpo do artigo
A atual crise política, que envolve os dois blocos partidários recém-empossados no Parlamento e o presidente da República, na sua qualidade de árbitro, tornou-se num autêntico teste de stress ao nosso sistema político e à Constituição. Digo autêntico porque é real, bem real, ao contrário dos testes de stress a que se submetem regularmente os bancos, que são apenas exercícios teóricos de simulação que pretendem avaliar a sua resistência a crises económicas e financeiras.
O enunciado do teste foi ditado pelos resultados eleitorais de 4 de outubro, cuja leitura foi realizada pelos partidos da Esquerda no quadro das feridas deixadas pela governação dos últimos quatro anos. A maioria vencedora, indigitada para formar Governo, não sendo absoluta, confronta-se agora com a oposição da maioria dos deputados do Parlamento. Diz a Constituição que, quando assim é, e se acionado o mecanismo da moção de censura, um governo pode cair. Ora, tudo o que daí decorre, nomeadamente as opções do PR, testa aos limites o sistema político, o mesmo é dizer a Constituição.
Se e quando o novo Governo de Passos Coelho cair, Cavaco Silva tem três opções: chamar para formar Governo o líder do segundo partido mais votado, António Costa, manter o Governo de Passos em gestão ou optar por uma terceira via, que seria um Governo de iniciativa presidencial. Esta última é uma não solução, já que seria de imediato presenteada com uma outra moção de censura. A escolha será, então, entre um Governo de Esquerda e um Governo de gestão. É um teste de stress único, pela simples razão de que está contaminado por uma variável anticonstitucional: o preconceito ideológico que o PR exibiu no seu último discurso, que, em termos práticos, corresponde à subtração de direitos fundamentais a partidos com deputados eleitos.
A ser consistente com as linhas vermelhas que traçou, Cavaco manteria o Governo de Passos em gestão, com o brutal efeito lateral de estar a endossar ao próximo PR o ónus de dissolver o Parlamento. Seria como detonar a bomba atómica ao retardador. Mas o efeito imediato da sua decisão seria não menos brutal, devido às limitações naturais de um Governo de gestão, ainda por cima com um Parlamento hostil. Sejamos claros, hoje só é possível governar este país com reformas e medidas extraordinárias que não se coadunam com a gestão por duodécimos. O país estaria bloqueado, leia-se ingovernável. Cavaco tornar-se-ia no mais formidável polo de instabilidade, os portugueses sofreriam dramáticas consequências e Portugal teria falhado no teste de stress ao sistema político.
*PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO