Confesso que começo a ficar cansada com a areia que este Governo insiste em nos atirar para os olhos. Despudoradamente. José Sócrates veio ontem dizer ao país que o Governo "não está fechado a nada" e está "a olhar para todos os concursos [de obras públicas] que ainda estão a decorrer com o objectivo de os analisar um a um".
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Mas o primeiro-ministro esqueceu-se de um pequeno pormenor: hoje, às 10.30 horas, o ministro das Obras Públicas assina o contrato de concessão do troço de alta velocidade Poceirão- -Caia. É só um troço, dirão. Não, é um troço que implica a ligação em TGV de Lisboa a Madrid, o que, por sua vez, implica a construção da terceira travessia sobre o Tejo e, já agora, um novo aeroporto em Lisboa - aquele que, conforme o JN ontem explicou, vai ser parcialmente pago com as receitas das restantes infra-estruturas aeroportuárias do país, e cujas bases da concessão já foram aprovadas.
E, depois, temos António Mendonça, com um igual grande sentido de oportunidade. À iniciativa de um grupo de antigos ministros das Finanças - que, imagine-se o atrevimento, vieram a público contestar os grandes investimentos públicos - o governante veio esclarecer que aqueles "tiveram o seu tempo". Mas, enquanto navegava na página oficial do Ministério das Obras Públicas na Internet (cujo principal destaque, ontem, era a assinatura do protocolo com o Rock in Rio...), deparei-me com o seguinte discurso: "Num momento em que a recuperação da crise económica começa a dar os primeiros sinais, a criação a curto prazo de uma frente de trabalho, como a que irá agora nascer [promulgação das Bases de Concessão de Alta Velocidade Poceirão- -Caia], será factor da mais alta importância". A prosa data de 13 de Abril de 2010. É caso para dizer que o sr. ministro teve o seu tempo.
Posto isto, fazemos uma volta de 360 graus. O Governo vai deixar de fazer meia auto-estrada, a do Centro. Depois de tudo e todos alertarem para a necessidade de repensar os referidos investimentos. Até Vítor Constâncio, que os partidos sempre acusaram de ser o avalista deste Executivo. Em mês mariano, e de vinda do Papa a Portugal, peçamos, pois, um milagre.
P.S. Gostava eu que as paredes falassem para saber qual o pensamento, não oficial, de Teixeira dos Santos.