Estreia hoje em Guimarães, em "motion capture animation", um dos álbuns de Tintin, "O segredo do Licorne" e o meu coração de tintinófilo só não sangra de indignação porque já sangrou quanto, na matéria, tinha para sangrar com o "Winnie-the-Pooh" e a "Alice no país das maravilhas" da Disney.
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Nem os produtores da Disney são Milne e Carroll nem Spielberg (que já anunciou que reincidirá a seguir com "O templo do Sol") é Hergé. Se "Winnie-the-Pooh" e "Alice no país das maravilhas" são obras radicalmente literárias, onde a lógica e a inocência linguística são pretexto para a mais absoluta e desconcertante liberdade da palavra (que oculta complexas organizações narrativas que não raro deixam à vista os seus próprios processos de construção), as aventuras de Tintin são tão estruturalmente BD que dificilmente poderão ser transportadas para um género como "spielberguiano", que "mostra tudo", pouco ou nenhum espaço deixando à imaginação, sem perderem o essencial e se sentirem em roupa alheia, desconfortavelmente apertada.
As obras de Hergé são "clássicos" no sentido que Ítalo Calvino dá à palavra: obras em que "toda a releitura é uma primeira leitura" e que "nunca acabam de dizer o que têm a dizer". Se acontecer (e receio bem que aconteça) com "O segredo do Licorne" o que aconteceu com outros filmes e séries de animação feitos a partir da obra de Hergé, quando surgir "The end" no ecrã, estará tudo dito.