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Em 1975, nos relatórios da equipa destacada para Proença-a-Nova no âmbito das Campanhas de Dinamização Cultural, as condições de vida naquele concelho são descritas como "de maneira nenhuma humanas". Foram sinalizados casos de lepra, o bócio era uma doença comum, a assistência sanitária quase inexistente e os caminhos rurais "lamaçais autênticos". Cito estas descrições do chamado Portugal profundo porque me parece a forma mais imediata de situar o que era o país quando a democracia dava os primeiros passos e procurava caminho entre quem estava longe dos corredores do poder.
As declarações nostálgicas de quem evoca os tempos bolorentos do salazarismo ignoram o contexto de pobreza, analfabetismo e profunda desigualdade entre a população. Conceitos como a liberdade podem ser manipulados e apropriados de forma indevida, mas a tentativa de efabular em torno da capacidade governativa e da pujança económica de Portugal durante o Estado Novo esbarra nos mil e um indicadores concretos sobre o quotidiano miserável dos portugueses.
Retirar os cravos vermelhos do púlpito, como ontem se viu no Parlamento, não é um mero registo teatral que possa ser minimizado. Os gestos são a tradução de pensamentos e de modos de olhar para o país. E há um país por cumprir, na habitação como na saúde, na justiça e na coesão territorial, na igualdade de oportunidades, que pode continuar a ser sonhado graças a todos os que acreditam em políticas que somam, e não a quem insiste em dividir. Fez bem o deputado social-democrata Pedro Alves em repor os cravos sobre as rosas. Todos os dias, todos, são dias de cravo vermelho.

