A Tecnoforma anda zangada. Agora mais conhecida do que o "arroz de quinze", foi posta em causa no episódio que a associou ao primeiro-ministro. Vai daí, a nobilíssima empresa decidiu disparar rajadas de queixas-crime contra todos aqueles que, em seu entender, tinham posto em causa a sua "honra e consideração". O episódio valerá pouco mais do que um caracol. Mas, do ponto de vista da garantia substantiva da liberdade de expressão e opinião, é interessante analisá-lo e extrair algumas conclusões.
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A Tecnoforma anunciou, primeiro, que iria processar um número não especificado de pessoas, entre as quais "um ministro", que recusou identificar. Um ministro? E ainda por cima um ministro secreto? Excelente, caça pesada, porque se trataria de um membro do Governo do primeiro-ministro que, justamente, se encontrava no centro de um furacão mediático. A empresa conseguiu, logo aí, o palco que com certeza pretendia. Apresentava-se como "vítima", como "vítima" "corajosa" e como "vítima" ameaçadora.
Depois, há coisa de uma semana, fez saber que iria apresentar queixa-crime contra o ministro Poiares Maduro (sem especificar porquê), Clara Ferreira Alves, a Impresa (proprietária do "Expresso"), o jornal "Público", José António Cerejo, a eurodeputada Ana Gomes e Pacheco Pereira. É caso para dizer, perante tanta ação: "foge, cão, que te fazem barão! Para onde, se me fazem visconde?".
Insaciável, a honradíssima empresa mais avisou que, "oportunamente", irá também responsabilizar civilmente todas estas pessoas ou entidades. Traduzindo, vai pedir a um tribunal que as condene a pagar em "cash" e com língua de palmo.
A questão vai dar que falar, a não ser que, na maioria ou em todas as queixas-crime que acima elenquei, o tribunal venha com bom senso a decidir o arquivamento, bastando-lhe, com parcimónia, seis singelas palavrinhas: liberdade de expressão e de opinião.
No entanto, qualquer que seja o desfecho da contenda judicial, a Tecnoforma já marcou os pontos que queria, sempre pelas piores razões. Primeiro, disparou sobre os alvos mais salientes, induzindo temor nos restantes. Depois, escolheu um ministro, e é claro que o "escalpe" de um ministro garante pinta mediática. Depois ainda, obriga os alvos a gastar dinheiro para prepararem a respetiva defesa. E, finalmente, faz pender sobre eles (individualmente) e sobre órgãos de Comunicação Social o risco do pagamento de uma indemnização choruda.
A Tecnoforma não exerceu (formalmente) o seu direito fundamental de recorrer aos tribunais para salvaguarda de um direito? Exerceu. Mas, vendo a forma e as circunstâncias em que o fez, vai-se compreendendo por que razão tanto no Conselho da Europa como na esfera da OSCE ganha terreno a posição a favor da descriminalização da difamação. Justamente, para evitar este tipo de abusos, que de forma objetiva condicionam e limitam a liberdade de expressão.
Tenho sérias dúvidas de que, em nome do equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à honra, à reputação e ao bom nome, essa solução deva ser adotada entre nós.
No entanto, perante caso deste calibre, quase apetece defender solução contrária. De facto, esta resma de queixas-crime, e não vejo que o efeito pudesse ser ignorado, lança um aviso intimidatório à navegação: quem se atrever a dizer mal de nós, apanha.
O "caso" do ministro, esse, roça a comicidade. Perguntado em entrevista por Clara Ferreira Alves sobre a Tecnoforma, nem a esta se referiu. Está, portanto, inventado o crime de "contacto" ou de "arrastão". Na pergunta houve referência crítica à Tecnoforma? Ataca-se o ministro por tabela......
A Tecnoforma não é uma empresa "qualquer". Esteve associada, direta ou indiretamente, à contratação de alguém que é, atualmente, primeiro-ministro de Portugal e em circunstâncias que suscitaram discussão no espaço público (tendo até o debate chegado ao Parlamento). Aquilo que a empresa fez está, nem que fosse por esse motivo, sujeito a um escrutínio particular e a uma apreciação mais larga do direito de crítica, possa ela muito embora ser injusta.
Não sendo assim, tudo ou quase tudo, a não ser o elogio ou a loa, atenta contra o direito à honra. Seguindo à letra o ilustríssimo critério da empresa, até estou doravante sujeito a que Suas Excelências Excelentíssimas, invocando ter-lhes ferido a "honra" e "consideração", me escolham como destinatário de uma queixa-crime e, quiçá, de uma ação cível. Até sou a favor de que os advogados tenham muito trabalho, mas convém não exagerar.