O anúncio formal da escolha de Hillary Clinton para o cargo de chefe da Diplomacia nos Estado Unidos levou semanas enquanto equipas de mais de uma centena de advogados passavam a pente fino as finanças da família Clinton.
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Tudo foi averiguado e só quando os peritos consideraram que nada havia de irregular ou passível de causar qualquer embaraço à presidência americana é que a opção de Barak Obama para a Secretaria de Estado foi tornada pública. Este é apenas um primeiro passo. A escolha presidencial ainda vai ter de passar pelo crivo do Senado e muito do que já foi inquirido vai voltar a sê-lo.
Só depois a nomeada entrará em funções. Não temos esta tradição em Portugal. Aqui, o Poder leva a mal quando é investigado ou meramente questionado. Mas em democracia, em cargo nenhum se pode sequer admitir o conceito de intocabilidade. Por isto, a irritada declaração de interesses no BPN que o presidente da Republica há uma semana fez publicar deveria ter sido divulgada quando decidiu candidatar-se à presidência.
E deveria ter sido integral e clara, coisas que esta não foi. Fazê-lo nesta fase em que ele diz sentir um ambiente de "insinuações ou mentiras" sobre os seus alegados interesses no BPN, é tardio e insuficiente. A nota oficial que a Presidência emitiu há uma semana abriu uma série de questões concretas. São dúvidas legítimas que a transparência democrática exige que tenham respostas claras. É por isso que vários órgãos de Comunicação Social têm dirigido a Belém perguntas que ficaram por aclarar na nota oficial de domingo, 23 de Novembro, a saber: a dimensão exacta das aplicações financeiras do casal presidencial e família no BPN entre o fim do executivo governamental de Cavaco Silva e o início da sua presidência; a participação, se a houve, financeira ou em espécie, por parte do BPN ou dos seus gestores, não só na última campanha presidencial, mas no período entre exercícios, que foi, afinal, sempre de grande actividade política de Cavaco Silva; onde é que processou essa actividade, como e com que apoios.
De Belém não só não têm vindo respostas como o próprio presidente deu um aval de confiança ao antigo gestor do BPN que a Justiça teria certamente interesse em ouvir, mas não pode. O estatuto dos membros do Conselho de Estado impede que seja sequer mera testemunha no processo. Dias Loureiro foi uma indigitação pessoal de Cavaco Silva para o Conselho de Estado e enquanto lá estiver está, de facto e de jure, acima da lei.
O BPN é um caso de Polícia em que o presidente de Portugal se envolveu ao emitir um comunicado pouco esclarecedor com referências vagas a "mentiras" que ninguém parece saber quais são.
A Imprensa está a tentar esclarecer o que se passa e que "insinuações" são essas. A Justiça investiga o que pode entre blindagens estatutárias que impedem o acesso a testemunhas e declarantes provavelmente fundamentais.
Este é o ambiente onde surgem todas as dúvidas e todas as suspeitas. Os conceitos de democracia e de intocabilidade não são conciliáveis. Não pode haver níveis de excepção. Ninguém é eleito para o lugar do mais exemplar cidadão nacional sobre o qual é proibido ter dúvidas. Estar em democracia é ter a liberdade para duvidar e o direito a apurar dúvidas. É esse mecanismo que nos permite ir afinando a pontaria de eleição para eleição em busca dos governantes ideais.