Toda a literatura num jogo de futebol
A trama desta história acontece em dois momentos diferentes, distanciados por seis meses. Antes, no palco de um teatro e depois num estádio de futebol. Mas ao contrário do que é costume, o primeiro momento nunca teria acontecido sem o segundo.
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Durante meses falámos com entusiasmo do dia em que nos encontraríamos para falar de livros e de história, "200 anos, 200 livros e mais de 1000 amores" era o tema.
Jorge, imortalmente, tomou da palavra, e terá dito quase parafraseando Fernando Pessoa e o "Livro do desassossego" - "hoje torço pela Portuguesa, pela mesma razão que meus pais e o meu bisavô sempre torceram - ou seja, sem saber porquê".
Quando chegou a minha vez - Ave Jorge, morituri te salutant - no lugar do avô Santos Caldeira, fundador e três vezes presidente da Associação Portuguesa de Desportos, confessei que torcia pelo Palmeiras porque sou amigo do Abel Ferreira, e contei a minha história que fica do outro lado da dele.
Seis meses depois telefonei ao Jorge. "Amanhã a Portuguesa joga no Canindé, você quer vir? Temos umas contas a ajustar" - disse-lhe. Jorge lembrava-se bem de como o futebol tinha ganho à literatura no nosso encontro e sabia que havia de ser dentro das quatro linhas que íamos continuar a conversa.
Era um jogo de vida ou morte, mas qual profecia do Bandarra, na última jornada do Paulistão, logo se provaram Fátima e as aparições, as relíquias de santo e todos os restantes milagres e, como dizem alguns, também se demonstrou de novo essa condição única que melhor define os portugueses ao longo da história: ser tão capazes de fazer tudo com quase nada, como de estragar tudo sem ninguém entender como.
Afinal, toda a literatura do Mundo cabe sempre num jogo de futebol.
*Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos