A troika fez mais uma das suas visitas periódicas a Portugal e, depois de se declarar satisfeita com o nível de execução do programa, desbloqueou uma das parcelas do empréstimo. A satisfação demonstrada não tem, como se sabe, qualquer correspondência com os factos que se conhecem.
Corpo do artigo
O desemprego aumenta, a receita fiscal cai, as despesas sociais crescem, a recessão não dá sinais de abrandar, as exportações dão sinais de anemia, a Autoeuropa interrompeu a sua produção, o investimento privado continua a diminuir, as falências sucedem-se.
Por que será, então, que os senhores da troika se dizem tão contentes? Haverá algum fator misterioso que nos escapa? Creio bem que não. Infelizmente, não há nada de novo, não há nenhuma variável que nos possa incutir algum otimismo, não há luz ao fundo do túnel...O que sucede e que eles tomam nota, num "checklist", de tudo aquilo que exigiram na anterior visita e, quando regressam, conferem se o Governo português obedeceu e cumpriu. E, como se sabe, ninguém nos pode acusar de não sermos obedientes. Ou seja, os médicos da troika limitam-se a avaliar se o doente cumpre com a prescrição, sem cuidar de saber do seu estado de saúde, ou se regista melhoras. No fundo, não passa de um processo burocrático de autoavaliação. O doente, esse, também pactua com a situação, aceitando o tratamento com resignação, sem levantar a voz ou perguntar se não seria melhor mudar o tratamento.
Infelizmente, tudo leva a crer que, em 2013, as coisas tenderão a piorar, independentemente da nossa situação interna. A situação na Europa, agora em plena recessão, continua a agravar-se. A tragédia grega vai-se complicando, Espanha e Itália vivem situações críticas. Em França, o esforçado governo do senhor Hollande não parece capaz de resolver os problemas, não oferece uma alternativa credível, e começa a estar sob a ameaça dos mercados, depois das agências terem reduzido a sua notação. A própria Alemanha, o grande motor da economia europeia, vai evidenciando sintomas óbvios de arrefecimento. Espanha e Itália continuam a viver uma situação crítica.
Provavelmente, a Senhora Merkel já terá percebido que esta crise tem, afinal, uma natureza sistémica, e compreenderá que, afinal, a Alemanha não sairá incólume deste temporal. Um dia destes, o eleitorado alemão talvez entenda que a doença que atingiu a cigarra pode ser letal para a formiga. Quer isto dizer que o adensamento da crise europeia pode constituir uma oportunidade para Portugal. Naturalmente, aumenta as nossas dificuldades no curto prazo, porque afeta os nossos mercados tradicionais, mas pode levar a uma inversão das políticas europeias que permita desmascarar a qualidade do tratamento a que temos sido sujeitos. Nesse cenário, o facto de Portugal ter cumprido escrupulosamente com o programa resultará certamente numa vantagem, porque nos coloca numa melhor posição negocial.
Pode, no entanto, constituir uma ameaça, se os alemães optarem pelo isolacionismo. Ao contrário do que se possa imaginar, a Senhora Merkel é mais europeísta do que muitos dos seus pares. Não faltam, na Alemanha, as vozes da demagogia populista que apelam a uma agenda de defesa das instituições nacionais e ao fim do "desperdício em favor das cigarras". Neste cenário, que será facilmente partilhado por outros países do Norte, nomeadamente pelos finlandeses, que não se revêm no modelo federal, a moeda única estará definitivamente condenada, restando apenas saber se pode ser desmantelada de forma ordeira e controlada, ou se assistiremos, por toda a Zona Euro ao "salve-se quem puder".
Seria útil, quando se avizinha o ano de todos os perigos na Europa, e numa situação de grande incerteza, que o Governo português estudasse este cenário alternativo, e tivesse um plano de contingência para essa eventualidade.