Com as redes sociais, cada um tem a possibilidade de se exprimir e de manifestar a sua opinião e de, teoricamente, poder alcançar o outro lado do Mundo de forma instantânea. É claro que a opinião pode ser o mais idiota possível, nem tudo podia ser bom. Mas, é assim. A seleção da opinião que "conta" já não depende só de um órgão de Comunicação Social: é hoje feita por cada um de nós e pela reputação global que cada um consiga neste espaço muito livre e muito democrático. É o novo mundo dos likes e dos emoticons. Mas nem tudo é tão bonito.
Corpo do artigo
Evidentemente, o privilégio da opinião alucinada não está reservado a quem escreve nas redes sociais. Ora leia-se o último texto do arquiteto Saraiva, em que conta um a um, de forma a roçar o compulsivo, os 15 últimos namorados de Marta Leite de Castro, e percebe-se que as redes sociais têm, de facto, as costas largas.
De qualquer modo, mesmo na Internet a diferença de meios conta, e ali assistimos, muito depressa, a uma recomposição hierárquica de relações de poder que refletem aquilo que se passa na vida real. Depois, muitos dos que procuram relevância nas redes (nos blogues, no FB, no Twitter) aspiram a poderem "comentar" no jornal, na rádio ou na televisão. Porque, aí sim, estarão a falar na Primeira Liga.
Essa promoção é agora bastante mais simples do que no passado, devido à multiplicação de canais de informação 24/24. É portanto necessário aumentar de forma exponencial o número de comentadores, com a reconstrução da realidade que vem de o comentário passar a integrar a própria realidade, a influenciá-la ou manipulá-la.
O putativo comentador, esse, sabe que só chegará à pantalha se o seu "estilo" for diferente, mais visível do que o dos outros.
Uma estratégia possível é a da forma incisiva de se exprimir, normalmente muito intimidatória ou até insultuosa para quem for "político" ou "aparentado". Esta é aliás faceta de algum "jornalismo" polemista, de dedo em riste e acusatório, em que aquele que pergunta sabe que o seu valor de mercado depende do número de escalpes de pobres diabos que aceitem sujeitar-se à sua tirania. Se as coisas correrem bem, sai livro. Se correrem muito bem, deixa-se no ar a hipótese da criação de um partido. Se correrem mal, o entrevistado inverte as regras do jogo e dá uma tareia inesquecível no entrevistador. Lembrem-se, por exemplo, de Marinho e Pinto a trucidar em direto Manuela Moura Guedes, lívida e arquejante.
O que se verifica fora do campo jornalístico não é menos feroz, porque o mercado está cada vez mais exigente. O comentador tende a especializar-se em tópicos, como agora se diz, fraturantes. Pense-se, por exemplo, em Medina Carreira, catedrático em pessimismo. É tão radical que, depois de ouvi-lo cinco minutos, só sai um pedido: por favor, deixem-me morrer.
Outro dos tópicos mais cotados é, atualmente, o da corrupção, porque pode aplicar-se praticamente a todas as situações da vida, da meteorologia ao bem-estar animal. O pressuposto, naturalmente, é o de que cada político ou foi, ou é, ou há de vir a ser corrupto.
Aqui, Paulo Morais (que até prezo pessoalmente) é o campeão nacional de seniores.
Todos são corruptos, e uma qualquer luz superior indicou-lhe o caminho: vai, Paulo, alumia aquela gente! De alguma forma, a corrupção é o seu mercado, a sua bolsa de valores.
Recentemente, depois de anunciar que conhecia não sei quantos patifes a propósito nem sei de quê, e que o Parlamento só não tinha acesso a tal informação porque não lha pedia, o Parlamento decidiu pedir. Paulo Morais mandou. Mas mandou recortes de um jornal e artigos de opinião escritos... por Paulo Morais e, pelos vistos, uma entrevista televisiva, com certeza crucial, dada por... Paulo Morais. Isto significa o quê? Que Paulo Morais sabe de fonte absolutamente segura (por um senhor chamado Paulo Morais) quem se portou mal. Que a tal fonte tenha o mesmo nome é, com certeza, uma peculiar coincidência. O incidente agora ocorrido mostra como este caminho pode ser perigoso, pela confusão sistemática entre factos e opinião. E mostra além disso como, na voragem dos dias, acreditamos praticamente em tudo o que apareça com ar grave no ecrã da televisão.
Por exemplo, se Paulo Morais decidir formar um partido, nunca poderei votar nele. Porquê? Porque Paulo Morais passaria a ser um político, e Paulo Morais ensinou-me que os políticos são todos corruptos.