Raciocínio contra a hipocrisia: nenhuma Constituição é formatada segundo conceitos bacteriologicamente puros. Pode - deve - ser a resultante de princípios democráticos, mas é sonhadora a ideia de se sustentar numa arquitetura baseada no princípio do albergue espanhol, onde cabe tudo. Uma Constituição, além do mais, deve ser um referencial da organização de uma sociedade - sendo avisado, em ciclos razoáveis, proceder a atualizações-revisões.
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A recusa da existência de uma Constituição metida numa redoma de vidro aplica-se, também, a quem sobre ela dispõe da responsabilidade da vigilância, não vá um governo déspota adulterá-la. A análise ao cumprimento dos preceitos da lei fundamental é em Portugal função de um grupo de juízes instalados no Tribunal Constitucional, mas não libertados de uma realidade: são humanos, não vivem numa câmara hiperbárica - ou se calhar esse é o seu problema, tornando-os distantes da vida do país. Como tal, também fazem interpretações do texto sobre o qual exercem a sua fiscalização.
Deixemo-nos de tretas: para a vida sadia do país, a Constituição carece de uma revisão para dar resposta a novos tempos - desde logo a integração europeia e a existência de uma Zona Euro que retirou capacidade ao país de ser gerido a partir das notas fabricadas pelo Banco de Portugal. A atual Constituição tem uma marca ideológica demasiado forte e sobre ela extremam-se os campos de análise, incluindo-se neles os dos próprios julgadores de normas remetidas para exame no Palácio Ratton.
Marcado por uma crise sem precedentes e sujeito a imposições de fora para dentro, o país de cócoras só se levanta se e quando for capaz de ultrapassar enquistamentos ideológicos - associados a incompetência, é verdade, na formatação da governação.
Faz sentido que o Tribunal Constitucional esteja debaixo do fogo cerrado da coligação governamental por adotar sucessivos chumbos de milhões de milhões a decisões destinadas a cumprir exigências orçamentais pelo lado da despesa? Faz, embora uma parte do país teça loas às senhoras e senhores juízes de togas a exalarem interpretações políticas. Mas também é certa, num ou noutro caso, a incapacidade do Governo para deixar de se pôr a jeito.
Portugal, queira-se ou não, é hoje um sítio de futuro incerto, determinado pelos credores e pelos juízes do Tribunal Constitucional.
O braço de ferro tem tudo para correr mal.
Não é fácil, mas o atoleiro em que vivemos carece de clarificação - muito para lá das artistices eleiçoeiras dos partidos do chamado arco da governação.
Goste-se ou não, é urgente o avanço de uma proposta de revisão da Constituição para a adaptar às exigências atuais.
Quando eleito para líder do PSD, Passos Coelho agitou um projeto de revisão - e meteu-o de seguida na gaveta. Fez mal. É tempo de voltar a colocá-lo em cima da mesa na tentativa de obter 2/3 para a aprovação. Um chumbo responsabilizará os seus autores por uma nova falência nacional, acompanhada de revolta social.