Tony Blair e Robert Mugabe
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Numa entrevista concedida à Al-Jazeera, segundo o relato de David Smith - "Tony Blair plotted military intervention in Zimbabwe, claims Thabo Mbeki" - no jornal "The Guardian" da passada quarta--feira, o antigo presidente da África do Sul Thabo Mbeki (1999/2008), sucessor de Nelson Mandela, acusava o antigo primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, da tentativa de organizar uma intervenção militar no Zimbabwe com a finalidade de depor o presidente Robert Mugabe e forçar uma mudança de regime nos primeiros anos deste século.
O país encontrava-se mergulhado numa séria crise económica e política e o Governo era objeto de graves denúncias de perseguição aos seus opositores e de violação dos direitos humanos, amplificadas pelos protestos dos fazendeiros brancos que tinham sido expropriados das suas terras e que a partir de Londres e dos países vizinhos onde se tinham refugiado davam largas à sua indignação. Conheci o Zimbabwe em visita particular que realizei no verão de 2007, graças ao convite gentil do meu amigo João Versteeg, à época, embaixador de Portugal em Arare, profundo conhecedor das realidades africanas e intérprete perspicaz das políticas e dos atores da região. Não tive oportunidade de confirmar os cenários de violência e terror descritos pela imprensa anglo-saxónica e por ativistas dos direitos humanos, mas era bem visível a extrema desolação e as dificuldades experimentadas pela população exposta a uma escalada inflacionista galopante e à escassez generalizada de bens de consumo, situação que o regime justificava como consequência das sanções internacionais que ainda perduram.
Thabo Mbeki invoca o testemunho de altos chefes militares britânicos quanto à pretensão de Tony Blair remover Robert Mugabe pela força e afirma que resistiu às pressões do então primeiro-ministro britânico, rejeitando a alegada proposta de ingerência nos assuntos internos do Zimbabwe por considerar que "Mugabe fazia parte da solução do problema".
O plano de agressão militar agora denunciado pelo ex-primeiro-ministro da África do Sul não foi confirmado pelo principal partido da Oposição, o "Movimento para a Mudança Política" (MDC) liderado por Morgan Tsvangirai. Um dos seus líderes históricos - Tendai Biti, ex-ministro das Finanças num governo de coligação - declarou que "o povo do Zimbabwe (...) não acredita na violência nem acredita que haja qualquer outra solução que não seja um processo democrático sustentável". Entretanto, um porta- voz de Tony Blair veio já declarar que este "nunca convidou ninguém para planear ou para tomar parte em tal intervenção militar". O porta-voz de Mbeki, porém, viria reafirmar que o antigo presidente da África do Sul "mantém que tudo o que disse à Al-Jazeera é o relato factual e rigoroso do que aconteceu." A denúncia não seria credível caso o seu autor fosse Mugabe. Nem surpreende que a Oposição não confirme tais intenções porque sempre beneficiou do apoio de Blair. O que não é fácil explicar é o que poderia levar o ex-presidente da África do Sul a inventar uma tal história! Em todo o caso, prove-se ou não, a denúncia nada acrescenta de novo ou surpreendente ao que já se sabia de Tony Blair. Talvez algum espião arrependido venha algum dia esclarecer definitivamente o assunto.
Robert Mugabe, desde a libertação do colonialismo britânico, em 1980, continua a ser o presidente do Zimbabwe, um país de invejados recursos minerais, designadamente, diamantes. Por seu turno, Tony Blair não conseguiu aprender nada: mantém o mesmo desprezo pelos procedimentos democráticos, a mesma obsessão intrusiva nos assuntos alheios, o fascínio pelo uso da força e pelo abuso da oratória. Para quem porventura já tivesse esquecido a sua infinita devoção pela guerra "contra o terror" e o papel que desempenhou como principal animador da invasão do Iraque, teve recentemente a oportunidade de refrescar a memória perante a precipitação e o zelo com que Blair já se dispunha a acorrer ao anúncio do presidente Obama - em boa hora frustrado! - do "lançamento de um ataque preciso e limitado" contra a Síria.