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Há dias, Mário Ferreira publicou no JN um artigo sobre a "Unidade Operativa de Planeamento e Gestão 1" (UOPG1), onde será aberta a Avenida Nun'Álvares. Em declaração de interesses, escreve que é "(...) proprietário de dois terrenos, onde [vai] construir uma casa e um pequeno prédio". Depois, tece rasgados elogios à proposta e ao vereador do Urbanismo. É fácil de detetar que "a opinião" do empresário é a reprodução do argumentário do vereador, conforme este último fez publicar em julho como publicidade paga.
Mas a narrativa choca com a factualidade quando, de documentos públicos, se verifica que o interesse de Mário Ferreira vai muito para além do que diz querer construir. De outra forma, também mal se entenderia tanto empenho na defesa da proposta. No Portal da Justiça, apura-se que Mário Ferreira é, desde janeiro de 2019, dono de 50% da Quinta da Foz, SA (QF), detida pela Mystic New Avenue, S.A., ambas detidas pela Pluris Investments, S.A., holding de Mário Ferreira.
Ora, a Quinta da Foz, segundo a CMP, é a maior proprietária destes terrenos da "Ervilha", com 26,41% da área das parcelas originais e atribuição de 53 467m² da futura área de edificação, mais de 30% do total, incluindo os quase 48 000 m² previstos para as três torres com até 100 metros.
A modestos 10 000 euros/m² de venda de luxo na Foz, são muito mais de 500 milhões de euros. Incomparavelmente mais que as receitas da Media Capital (TVI)! Claro que Mário Ferreira pode ter já cedido a QF, mas fica esclarecido, com a informação disponível, de que o seu interesse neste projeto vai muito além de "uma casa e um pequeno prédio", pelo que era desnecessário, mas revelador, tratar os portuenses como diminuídos.
Diz depois que há menos construção do que numa versão anterior da UOPG1, e apenas três lotes onde se poderão implantar edifícios até um máximo de 25 pisos, libertando solo para áreas verdes. Se se constrói menos dentro da UOPG1 é porque, entretanto, foram alterados os seus limites, reduzindo-a. O plano da UOPG contempla espaços verdes ao longo dos leitos das ribeiras na Ervilha, mas, mesmo com as torres "até 100 metros", não cria um corredor verde aproveitando a proximidade ao Parque da Cidade. E, repare-se, o projeto pressupõe cinco mil novos habitantes e outros tantos utilizadores adicionais do espaço. Um peso enorme na mobilidade já caótica, sem transportes públicos eficazes.
Nada contra prédios e menos ainda contra a avenida. Contudo, com apenas 23 metros de largura, passaria a ser a Viela das Três Tristes Torres. Que critérios distribuem de forma tão desequilibrada a densificação? Uma densificação absurda que se estende ao Parque da Cidade. Por alguma coisa o PDM deste Executivo cessante é elogiado pelos promotores - o Porto tem sido a festa do betão para alguns convidados, aproveitando conceitos convenientes como o de "edifícios tipo moradia". Um modelo de crescimento à anos 80.
A narrativa da exclusão do metro do traçado da nova via choca com o facto de, em 2010, a Metro do Porto ter realizado estudos técnicos que provam que a linha era tecnicamente viável. Haverá quem não goste do metro ou da sua localização, mas a cidade não pode ficar manca de mobilidade à conta de um "gosto ou não gosto", como sempre professou Rui Moreira.
Apreciámos particularmente a afirmação de que as torres terão "78, 83 e 86 metros, muito abaixo dos 100 metros". É dizer que horror urbanístico é melhor do que terror urbanístico! Facto é que a proposta defendida pelo desinteressado munícipe contraria o próprio PDM que exige normativa própria, com maior rigor na avaliação da volumetria, cércea, densidade e impacto visual.
A CMP, com 23,15% da área, é com a QF a maior proprietária e dona dos melhores terrenos, poderia e deveria determinar os termos do projeto e onde as intervenções serão realizadas. Mas abdicou das vantagens, num negócio prejudicial para a cidade, em nome de um consenso com os proprietários cuja necessidade não se vislumbra, já que poderia ter recorrido à expropriação do canal para a avenida.
A Avenida Nun'Álvares arrisca ser um pesadelo para as gerações vindouras. Mas nada está perdido. A Avaliação de Impacto Ambiental vai provar que tudo isto é um castelo de cartas. Vamos conseguir ali fazer cidade sustentável, em tempo útil, de forma participada pela população.
*Da Direção da Associação Porto Atlântico fazem parte Miguel Aroso (presidente), Branca Sousa e Tiago Fernandes. Da Assembleia Geral, Fernando Braga (presidente), Jorge Serra e João Rocha. Do Conselho Fiscal, André Vaz (presidente), António Silva e Jorge Monteiro.
A Associação Porto Atlântico define-se como uma organização que promove a defesa dos cidadãos do Porto, com uma atuação direta nas freguesias da Foz do Douro e Nevogilde, em particular a defesa de uma solução urbanística equilibrada e sustentável para o território entre a Praça do Império e a Avenida da Boavista, incluindo os terrenos por onde está prevista a denominada Avenida Nun'Álvares, de forma a garantir que os processos de planeamento urbanístico respeitem os princípios da transparência, sustentabilidade, participação cidadã e preservação do património urbano, ambiental e social.