À mercê da instauração sistemática de novas doses de austeridade, a maioria dos portugueses vive segundo parâmetros contraditórios. Reclamam maior liberalismo económico mas estão cada vez mais obedientes aos ditames de um Estado tentacular.
Corpo do artigo
O enorme aumento de impostos aplicado no ano passado resultou na estatização das nossas vidas durante 155 dias. Isto é, os cidadãos viram todos os seus rendimentos nacionalizados até 5 de junho para o pagamento de IRS, IMI, IVA, ISP e toda a outra panóplia de taxas aplicadas (só falta uma para o ar que se respira!). De certeza certa este ano vão pelo mesmo caminho e sabe-se lá o que lhes está reservado - mas bem guardado, et pour cause...... - no próximo Documento de Estratégia Orçamental a levar ao beija-mão de Bruxelas....
Sobretudo no que se refere ao IRS, há, evidentemente, uma projeção-cálculo agora em tempo de confirmação. Está aberta a partir de hoje a prova dos nove. O preenchimento e entrega de declarações de IRS respeitantes a 2013 terá como consequência, segundo todas as análises, o aumento de pagamentos ainda a fazer ou menores devoluções por parte do Fisco, seja por reduções à dedução à coleta seja por terem encurtado os escalões ou os benefícios fiscais. A máquina tributária tratará de aniquilar a escassa margem de manobra até há pouco existente em algumas famílias para procederem à regularização de débitos à mercearia...
A taxação dos rendimentos do trabalho não deve ser diabolizada, por princípio. O ponto está na sua graduação e nas consequências práticas para moldar uma sociedade mais justa e mais solidária.
Em Portugal, hoje, não há uma correspondência entre os elevados impostos pagos pelos rendimentos do trabalho e a certeza do seu direcionamento para fins úteis. O pagamento de mais e mais impostos é contraditório com a tendência para a rarefação do Estado social em múltiplas áreas - do encurtamento dos subsídios de desemprego ou social de desemprego até à degradação ou mesmo falta de serviços de Saúde, apenas para citar duas áreas.
O país vive uma situação de excecionalidade e, por isso, pode-se até compreender o esquema de arrecadação rápida de receitas para tentar ultrapassar os estrangulamentos financeiros. Impõe-se no entanto adotar critérios de maior rigor e transparência na aplicação dos impostos dos portugueses, a par de políticas até agora pouco menos do que silenciosas de combate à fraude e à evasão fiscal.
Pagar impostos só é um dever de cidadania se houver a certeza da sua boa aplicação. O que é de todo em todo duvidoso quando correm em paralelo ao aumento das desigualdades sociais e de um certo tipo de mordomias impunes de algumas cliques.